Wednesday, June 15, 2016

DIÁRIO DE VIAGEM - 18o dia


Os meninos viajaram norte hoje cedo em busca de um swell que tarda em entrar, quase quis ir só por fome de estrada, mas envolvia dormir em barco pequeno e desempolguei antes de levar mais a sério a possibilidade. 
Fiquei sozinha com a casa de varanda para o mar, eu e a casa, as palmeiras, as iguanas e macacos, os esquilos, as corujas, os cachorros soltos e um milhão de caramujos. Na iminência da ausência faço novos amigos, a bicicleta vermelha com a cesta enferrujada me demanda constante calma e cuidado sob as crateras e poças de terra batida, nunca gostei de pedalada lenta, ultimamente ando adorando. Tem a rede colorida com vista para um céu de palmeiras e os livros velhos da estante deixados por antigos viajantes, tem também meu pé de pato havaiano e meu madeirite que me auxiliam no estreitamento da relação com o mar, sem eles aqui não teria passado do flerte. 
Ontem passei o dia com o oceano, dediquei a tarde a ele, entendi melhor as mudanças de cor sob o leito inconstante de verde e azul, os ciclos de tormenta e calmaria, senti mil vezes as séries passando sob a minha cabeça, eu sentada lá no fundo no chão de areia, brincando de prender o ar sem pressa, de sentir o resquício dos gigantes penteando meus cabelos com sua espuma enfurecida, eu sentada no chão, mão presa a areia, mundo marinho, conchas e peixes. 
Ontem peguei a maior onda da minha vida. Vi ela se formando enorme, verde que te quero ver, crescendo macia milimetricamente posicionada para meu corpo descer, ela me olhando dentro do olho e me chamando em sussurro. Respirei fundo no centésimo de segundo que tive para tomar coragem e fui preparada para ressaca abaixo, fui segurando o corpo firme contra sua força, e foi quando ela me mostrou com ternura sua curva mais íntima,  ela quebrando perfeita, meu braço direito para fora dela pressionando o madeirite contra seu côncavo, meu corpo sendo suavemente projetado metade para fora, eu ali de olho aberto vendo tudo, descendo alucinada o que para mim parecia um desfiladeiro macio de água salgada, eu ali planando em perfeita sintonia, dividida entre o dentro e o fora d'Água, meus dois mundos favoritos unidos em um só acontecimento, eu ali tão feliz, e assim suave como começou ela terminou. Peguei mais vinte. 
Namorei o mar até o sol se por, eu e ele lá, horas e horas em silêncio nos contando segredos, mostrando detalhes, formas e cores, o sol se pondo, meus dedos enrugando, e uma sensação de sintonia completa com esse planeta. 
(PS: calma mãe, elas eram enormes na perspectiva de uma semi-anã)