Saturday, September 03, 2011

Dirt


It wasn’t to be talked about anymore, he had decided. He was tired of words wasted so frivolously. He walked away, staring down at his heavy steps, right, left, right, left. The dirt pounded back. The dirt stormed up his legs, taking hold of the perspiration in his pores. A layer of ground scraps swarmed up his calves, residues of earth fixed to his skin, sediments of mountains and rivers and forest and cities, for that moment in time all committed to his legs. He wiped off the anger on his forehead with his left hand and shut his eyes. He would have cried, if he could only have gathered tears. He was dry. Had been for so many years, there was no way around it. Somewhere in his crowd-less chest there were long lost thoughts of his gentler days, days there was an unfathomable sky above his head. Now the stars felt like an oppressing ceiling, peeled, damaged by unscrupulous vengeance and water infiltration. He was his worst neighbor. He was his last enemy standing. He wasn’t standing. He was floating on the debris of his will. What was left of his longings? What was left of his soul? He grinned, “soul…” He spoke without moving his lips, each letter resonating silently in his ears, throat, mouth. He swallowed the sound. There were no words, just the tyrannical weight of his every step against the complex vastness of the ground. He was lost in his roads within, paths to a universe in battle with its black hole. For thirty-four years he had outlasted the dark abyss in his dreams, edge of canyons down his core, path to secrets locked in his corners. He had not gone down. And in his hidden thoughts, he was fighting that irrefutable long walk, that one last step and fall, free-fall down miles of years in few seconds. The past giving place to a future he wouldn’t have, future he had dared to plan against his own will. Future he had hid in a drawer of his head, right around the one he had just buried with his last words – or lack of them more likely. He knew he had surpassed his own worst expectations.

Thursday, September 01, 2011

Mão de Irmão



Meu irmão Bruno foi minha primeira grande parceria. Ainda no berço o Bruninho já me protegia, “cobre a neném, mamãe. Os moquito vão pica.” E lá ia ele para lá e para cá, nem dois anos ainda, de fralda e avante, cuidando da neném. Lembro muito da textura da mão firme daquele pequeno menino homem andando de mão dada o quilômetro diário de ladeira até a condução, eu com três e ele com cinco anos. Ele antecipava todas as grades que cachorro latia e me trazia para bem perto dele, apertando contra o medo peregrino que transpirava na palma da minha pequena mão. Bruninho escutava “O Pedro e o Lobo” atento e repetia alto “cimento, cimento” enquanto o que o Pedro falava era “que medo, que medo.” Bruninho andava determinado com peito inflado de homem da casa e protegia eu e a mamãe só com o olhar.

Sempre lembro da tarde que a mamãe traduziu “She’s Leaving Home” para gente e depois saiu para trabalhar. A gente devia ter cinco e quase sete anos respectivamente. Deixamos o “Sargent Pepper’s” tocando alto pela casa e nos abraçamos na varanda, a vista vasta da tarde no Rio se pondo, a noite caindo, e nós dois ali, emocionados com a fuga de casa da menina rica de dinheiro e pobre de amor. O que a gente mais teve foi amor.

Nós dois choramos muito abraçados e nos confidenciamos sem pressa entre portas fechadas. Anos e anos de gargalhadas de cosquinhas e de piadas – o Bruno odiava e primeira e amava a segunda. E passamos também muitos momentos juntos calados; sem palavra, só presença.

Bruninho sempre foi generoso sem tentar e sensível sem dramaturgia. Me protegia de tudo, batia nas crianças que zoavam minha boca não tão infantil (apesar de rapidamente eu ter aprendido a me proteger – ou melhor, me vingar), tomava conta quando estávamos sozinhos e me introduzia sem perceber ao mundo dele de menino. Eu sempre fascinada.

Quando eu estava pra fazer seis anos, a mama se apaixonou pelo padrasto e o Fabinho entrou na nossa vida. Ele com a mesma idade que o Bruno, primeiro causou alvoroço. Era para gente estrangeiro de São Paulo e irmão obrigatório em uma idade cheia de singularidade. Aterrisou em meio a estranhamento e rivalidade infantil; briguinhas territoriais haviam sido antecipadas. Mas o Fabinho era piradão e figuraça, cheio de gargalhadas rasgadas e melodias em assovio, cantorias em falseto e brincadeiras louquíssimas. Fabinho chupava o polegar com furor e dormia o máximo permitido.
Fabinho era precocemente pervertido, extremamente engraçado e surpreendentemente tolerante. Eu abusava; podia mordê-lo, andar nas costas dele quando ele se deitava, apertar o peito dele que nem sanfona, cutucar... não tinha pentelhação que aborrecesse o Bifafa.

E assim, dia após dia, viramos três ­– nem que a contra gosto dos meninos: o cowboy, o bandido e a bartender(?) solta que se acoplava ao teatro infantil que aflorava toda tarde pelo nosso quinto andar. Quanto mais eles tentavam me excluir das brincadeiras masculinas mais eu insistia, não tinha jeito, a garota pentelhava até ser malvinda – malvinda mas incluída, valia a pena. Com as mil crianças do nosso prédio, o “Raposão”, jogávamos futebol, nadávamos na piscina por tardes e noites, brincávamos de pique-esconde, tubarão, queimado, ping-pong, brigávamos uns com os outros em turminhas e claro que em casa brigávamos muito também, porque nem tudo são flores.

De cumplicidade em rivalidade nossas agressividades afloravam; era briga por causa de quem comeu o Danoninho do outro, quem pega o maior bife, quem comanda o controle da tv, quem senta na janela no carro, quem não libera o banheiro, quem bate mais forte até se arrepender. De briga em briga crescíamos ainda mais irmãos. Brigamos muito, mas corremos também montanhas das dunas de Itaúnas, nadamos com cobra d’agua em rios de água doce, andamos de canoa em meio a crocodilos, fugimos de onça a cavalo. Lembram?

Com a chegada da pré-adolescência a música invadiu. Bruno no violão, Fabio na bateria, Luciano no teclado, Nuninho no Baixo e eu e as meninas no backing vocals, era demais. Rolling Stones, Beatles, Janis Joplin, Pink Floyd, Bob Marley, Legião Urbana, Barão Vermelho, tropicália, bossa nova, jazz... finais de semana inteiros de esbórnia e música e teatro e guloseimas e filmes e brincadeiras e o primeiro baseado e tal. “Tal” porque foi uma tal de experimentação tão abrangente que descrição exata não reflete a complexidade da experiência. A “casa da Chica” – como ficou conhecido o nosso apartamento sem adulto uma vez que a mama e o padrasto tinham o deles três andares abaixo do nosso – virou o antro da nossa juventude transviada e cultural no alto da ladeira de Santa Tereza; e haja estória.

Mas essa estória não é sobre esbórnia. Essa estória é sobre a cumplicidade profunda que brotou voluntariamente através da intimidade diária da vida com meus dois irmãos. E como foi bom ter irmão; podia perguntar sobre sexo e falar besteira sem falso pudor, podia ser franca sem picuinha e corajosa com certeza de backup. Podia brigar como garoto e chorar como menina. Com o Nobru e o Bifafa ouvi músicas que jamais teria conhecido, filmes que não teria visto, amigos que não teria tido se não fosse através dos enlaços de caminhos e abraços que os dois escolheram em seus respectivos percursos; nossos percursos compartilhados.

E é isso aí, essa estória é sobre essa beleza de irmandade do Bruno e do Fabio; sobre dois meninos geniais que compartilharam a fundo essa nossa infância/adolescência com extraordinária criatividade e peito para lá de aberto. Essa estória é sobre esses dois homens que primeiro me ensinaram não só o masculino, mas a singularidade da diferença do meu feminino. E um grande orgulho me invade quando deixo memória lavar em torrente esse afeto saudoso que mora em mim.

Amo vocês, sua irmã, Chica