Friday, December 08, 2023

Cadeado

Não é fácil ser forte, escolher a razão ao invés da emoção. Escolher em contraste com ser escolhido. Dói me despedir. Sinto falta, saudades, vontade de compartilhar um bando de coisa, e tenho que me lembrar de todos os pontos que oprimiam minha integridade. Amor não é o bastante. Não que eu já te ame, mas mesmo se fosse tanto jamais valeria a pena. Não vale viver ataques velados em pequenos atos, uma construção de dinâmica dispare, onde você manda e eu acato. Eu queria deixar as diferenças de lado e mergulhar no bom, mas sempre chegava o momento que você insistia em enveredar o encontro pro desconforto. Nunca entendi onde você queria chegar quando encurralava minha diferença, quando testava minha opinião sobre questões que você já sabia que divergíamos. Era bom para você? Você queria guerra, eu queria romance. Mas não é só política, nossa diferença é estrutural. Você defende o oposto do que eu sou. Você projeta em mim toda sua hostilidade por tudo que tá errado no país, no mundo, você se ressente por eu não pensar igual à você. Eu me corto nos seus espinhos e não cicatrizo mais. Eu sou cafona, romântica e vazia de expectativas ao mesmo tempo. Quero dar a mão e andar junto numa parceria do dia a dia e não te seguir. Quero ir junto. 

Wednesday, December 06, 2023

O Discurso do Rei


A gente percebeu cedo. Eu escolhi não ver, não ouvir, não alimentar tudo que desde o início já se anunciava em avesso. Vi onde ia o buraco e botei um tapete por cima. Não falei do buraco, não provoquei, não me fechei, não cutuquei, mas volta e meia você soltava flechas de discórdia provocando conflito para testar minha reação. Eu pisava sobre o tapete, afundava um pouco, só para quicar em pirueta e cair em invertida. Eu inverti a narrativa pro romance. Você também. A melhor parte. Só que você tem direito a ser você enquanto me constrange por eu ser eu. Hoje você acordou sem me olhar, armou o estilingue e jogou mais uma pedra para ver como me batia, eu pensando se o dia abria. E o que não saiu da minha cabeça foi você falando que a sua ex-mulher focou na meta de fazer você se apaixonar por ela, contou com orgulho. Na hora respondi, “cruz credo, nunca precisei disso”, mas depois senti mais fundo o recado. O rei é amado, idolatrado, mas nunca mais se apaixonou desde quando ainda construía seu império. É que o rei se instaurou em si e se afastou do outro. Ele dita as regras, considerando o que quer pro súdito mas não o que o súdito quer. O rei proveja, mas o resto é imposto. O rei impera sozinho, me maneja pelo pescoço, mas não me dá a mão. E eu, rainha desse meu reino próprio que construí com tanto carinho, fico sem caber direito nesse lugar. O rei é perverso. Eu sou cafona.