Saturday, November 26, 2016

Irmãos

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Cresci com dois irmãos e uma cambada de amigos. Lembro do futebol sem blusa no recreio, do corre corre com o bang-bang entre mocinhos e bandidos, do marco polo e a explosão na piscina para escapar do amigo tubarão, lembro da gente fingindo que banco de madeira era helicóptero e escapando de vilão dentre céu azul e nuvens densas na sala lá do quinto andar. E teve a delinquência também, teve bastante, lembro dos copos de vidro jogados da janela só para ver eles estourarem no teto lá embaixo, e de separar briga de menino com mordida de deixar marca, e causar muita briga também com o Bruno e Fabio porque eu era pentelha para cacete e vez em quando eles perdiam a paciência. Eu implorava para brincar a brincadeira deles, para assistir os mesmos filmes, para me trancar junto no quarto e ouvir Jimmy Hendrix, Pink Floyd e Janis Joplin na virada para os doze anos. E tinha o repertório infinito dos Beatles, the Doors, Raúl Seixas, Novos Baianos e Doces Bárbaros que decorávamos tardes à fora. Tinha uma doce doideira em noites cantadas com nosso bando de adolescentes transviados, meus irmãos no violão, ou na bateria, ou no vocal, alguém no teclado, Sergey na percussão, muitos turnos de amigos e eu lá cantando junto. Lembro de me interessar por tudo que eles gostavam e de ficar revoltada quando era proibida de entrar no quarto fechado, eles se trancavam e saiam de olho puxado, vermelho para caramba, diziam que era um colírio e eu morria de curiosidade, ansiosa para experimentar também. Provei tudo primeiro com eles, músicas, filmes, amizades, madrugadas varadas, delícias gastronômicas improvisadas e macarronadas, festas, shows, drogas, rock & roll, e muita história linda para lembrar. 

Cresci com um pouco dessa identidade masculina, esse esquecimento com a alça do sutiã, com a maneira de sentar, com uma voracidade alimentícia de assustar, com o jeito de pensar em sexo, amor, amizade e uma maneira de encarar o mundo partindo de uma força explosiva de quem pode e precisa aguentar seja o que for. Sinto que como eles, preciso ser forte.


E desde pequena sempre procurei substituí-los em tantas amizades masculinas, em tantos amigos que faço pelo mundo e torno logo irmão de coração num movimento inconsciente de aproximação e cumplicidade. E olho para os meus irmãos, e amigos, e mentores, e homens que trouxe para perto e sinto essa enorme fascinação por uma preciosa caixinha de tesouros que vive por trás da força que tem um homem. Vejo um mundo surpreendente de amor e cuidado e ternura e entrega que, se cativado com delicadeza, se abre em todo um jardim de possibilidades lindas demais de compartilhar.
Acordei hoje feliz em ter meus irmãos de sangue e todos os que escolhi de coração, e saber que em todos meus mundos tenho esses grandes homens pra compartilhar curtição mas também sentimento e emoção. 


Me sinto sortuda por ser tão acolhida nos braços dos meus irmãos.

Thursday, November 24, 2016

Quando Menos é Mais

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Sai da casa de praia deixando umas lágrimas pela varanda mas animada com a mudança de ares. O bangalô, que nunca foi o que meu antigo ego sonhou, acaba que não podia caber melhor nos planos que nem eu sabia que tinha.

Do lado de cá da rua principal tudo é diferente, ouço mais pássaros do que ondas e de manhã acordo com grunhido de macaco e galo cocoricando. Minha casa não tem porta e o banheiro é uma casinha do lado de fora. O pessoal das casas do entorno diz que tem mosquito por aqui, mas nunca fui sangue do bom e me mantenho sem picada para coçar. Hoje à noite chega furacão e deve faltar luz na cidade, tô preparada com minha lanterna e duas velas carcomidas. Fui do ar para o ventilador, da cafeteira para o coador de pano, do pé direito alto para teto de madeira. Tudo é muito mais simples, a cozinha, as paredes, os espaços, os contratos. Tudo condiz com que eu vim me perguntar aqui: Com quanto eu posso viver? Do que eu preciso para ser feliz? 

Descobri que prefiro andar descalça, na chuva principalmente. Minhas unhas esqueceram o que é esmalte e não raro são vistas cheias de terra, aliás como todas as outras mãos do povoado. Gosto de acordar com a primeira luz e só durmo tarde se valer muito a pena - vez em quando mando o report do mar para o grupo e volto direto para cama, mesmo assim o dia já começa cedo. Banho, prefiro ao ar livre, a cama vive cheia de areia e no chão volta e meia passa aranha para lá e para cá, mas o importante mesmo é que não preciso vestir uma calça. Não vejo TV desde setembro apesar de sentir muita falta de assistir filme, não tinha internet pra isso e agora que tenho as vontades são outras. Entrei em um carro duas vezes desde que cheguei, mas de resto o transporte por aqui sempre inclui vento (poeira) na cara, seja bike, moto ou quadriciclo. Meu luxos são comer a comida caseira dos chefs amigos, acordar sem despertador, poder dizer sim para todos os encontros possíveis e silêncios também e ter tempo o bastante para não precisar ter pressa. E o cabelo virou palhoça de novo, o corpo vive massacrado pelo mar e a pele tostada mesmo cheia de protetor, mesmo assim faz tempo que não me sinto tão jovem, tão forte, tão viva.

Tuesday, November 22, 2016

Dois Amantes

Eram dois os amantes, faziam aniversário no mesmo dia, um ano atras do outro, e argentinos, um da cidade grande outro pequena. Tinham também o cabelo raspado e o sorriso tranquilo, frequência de quem sabe amar. Eram dois os amantes e eles sabiam, ficaram amigos depois de tantos esbarros no cafés da manhã às seis, dubbies da tarde e alguns jantares acidentais na minha casa. Coincidência demais tanta presença, tanto carinho, se deram conta e aceitaram. Outro dia tentei explicar, que não tem ciúme nem promessa, não tem plano nem cobrança, tem vontade de compartilhar manhã, tarde, tempo, amizade mais que tudo e às vezes a cama, mal não há. 
Escrevendo agora esse segundo parágrafo, três semanas depois do primeiro, nem tudo são flores. O castelo ruiu.

Friday, November 18, 2016

Amigos Para o Que Der e Vier

Hoje foi um dia difícil, daqueles em que se acorda triste e o choro vai ganhando momentun com o passar dos instantes. Acordei com peito apertado, despreparada para tanta mudança, mas não deu nem meia hora e veio amigo querido com banana, manga e maracujá, ursinhos gummy e hash, até do isqueiro lembrou, ontem foi tudo na base de vela. Já o outro traz um sorriso enorme e um abraço mais apertado ainda, daqueles que têm ouvido que escuta e cabeça que lembra, sabe conversar. E vieram mais dois também, um com mau-humor matinal mas veio, e o outro com a voz rouca de tanto aprontar e cheio de história boa para compartilhar. Me deram abraço, me fizeram carinho, me deixaram chorar, eu fiz vitamina e café e não consegui entrar com eles no mar. Fiquei comigo sozinha, cantando, pensando, me emocionando com o vento e o barulho das ondas e entendendo que isso tudo veio para me virar do avesso e me ensinar a implantar essa frequência, que é antes melhor ainda para mim mesma do que para os demais, essa paz no meu urbano, no meu foco, no meu difícil. Eu vim para aprender. Loco-movida.

Monday, November 14, 2016

A Chegada

Já vi que hoje não vou dormir tão cedo, a lua está cheia, o coração também, e a cabeça cheia de espaços preenchidos e pensamentos transbordantes. De repente o momento acontece, vem lá de longe, outro continente, voa cruzando mares e países e eu aqui com um mundo todo acontecendo que não parou, uma história que continua se transformando, se bifurcando, criando mil troncos e raízes.  
Eu já não sei mais, agora o momento se aproxima tão perto que tudo parece estranho, estrangeiro, como se tivesse sido tudo um sonho, uma fantasia, alucinação, uma criação da minha imaginação, romantismo puro e exagerado, perdido no espaço, e agora a verdade vem a cavalo e bate na cara sem pedir licença, chega de ônibus, carro, moto, não sei ainda, mas chega com hora e data marcada. E no peito muita coisa variou, dispersou, se expandiu para alguns lados, mas não se perdeu, se encontrou em diferentes frequências e algumas sintonias. E agora como comprimo tudo isso num só fecho de luz, um raio saído de um funil que se abrange, se expande, explode em amor e não tem limites nem cercas, não quero muro, quero voo, quero céu, quero amor, quero mar. Ah-mar...

Sunday, November 06, 2016

Destino

Já quis viver muito mais? Viver amor com tudo, com todo, com força e entrega e carinho e cuidado e coragem e respeito e ternura e todo afeto do mundo. Já quis viver um encontro para voar, para sonhar, para abrir todas porteiras e deixar vaca presa pular na grama úmida, amor de rolar na areia onda adentro e ver lua cheia pratear o mar e mergulhar nu nas piscinas rasas de pedras porosas e ver estrelas cadentes em noite limpa e inventar futuro que não importa se dar. Já quis viver amor do tamanho que cabe no peito, amor que inspira, involve e alimenta, que atravessa tormenta e corre montanha, que se joga mar à fundo e voa céu afora. Já sentiu essa vontade de viver tudo tanto com tudo, sem freio, nem pressa, nem plano, só sonho, sonho que vai se realizando e formando história sem formato, sem contrato, pedrinha por pedrinha se faz o caminho. Então corta todas as cercas, arames farpados, derruba portões e porteiras, joga fora as cortinas velhas, sacode a poeira, abre as janelas e deixa a brisa entrar, abre esse peito e mergulha mundo adentro, descobre o tamanho do seu tamanho no tamanho do que pode sentir, deixa vir, deixa estar, desata os amarras e solta os nós que lá vem surpresa. Mas calma, emana teu desejo e fica na tua que o destino vem sem pressa a cavalo.

Saturday, November 05, 2016

Terra de Homens Rústicos

O dia inteiro ouço motos passando. De manhã tem sempre três ou quatro estacionadas aqui na porta. Cada moto vem com um mundo, muitos mundos e pares de pernas, coxas e bundas, vem muito mais, tem muita coisa para cima, são mentes fortes por aqui, hombres rústicos com peitos cheios de sonho e ternura. Eles fazem fogo com lenha molhada, fazem de riacho magro represa com banheira, pescam no arpão e tocam violão. Cada um está no seu auge, seu melhor, como se o contato com tanta natureza trouxesse o eu mais dormido e forte de cada um. Nunca conheci tanta gente boa em um lugar só. Cada história um salto pro mundo, vasto mundo. O dia passa como as ondas do mar, num ir e vir de infinitos.