Tuesday, October 24, 2023

Branco

Vi tudo branco. A blusa. O cabelo. A luz. Senti o sopro da sua brisa em meio a leds e neons. Assisti no fundo do seu riso o menino dentro do homem. Te vi inteiro. Todo seu torpor estampado no verde dos teus olhos largos. Provei teu entusiasmo preenchendo o espaço com a torrente de palavras que desencadeou, eu já nem lembro mais – a gente falava de mar, de escrita, de mundo e mergulhava noite a dentro sem olhar pras horas escorrendo entre os dedos. Você me perguntou onde a gente podia dançar. Uma conversa. Um estalo no tempo abrindo uma porteira nova na estrada. Adentramos o portão. No caminho, melodias enviadas por satélite, voando até o céu e trocando de mãos, o tesão se costurando na harmonia das tantas histórias cantadas e escritas. E veio o tal do sorriso que atravessa o peito por trás da rotina dos dias, o barato do desvendar aos poucos o outro, ir descobrindo os detalhes e o todo. Aí teve a transa que começou no encaixe do abraço que virou beijo e, antes mesmo de você me adentrar, eu já transbordava. Coisa de pele. Depois veio tudo mais. O peso do teu corpo, seu cheiro, nosso gosto misturado, a troca, o riso. Um bando de barato. Aonde vai dar, não sei. A gente nunca sabe. Eu prefiro o presente.

Sunday, October 15, 2023

Abraço

Abre os braços bem largos, expande o peito além do limite, rasga o cerne ao meio e deixa caber mais. Deixa as extremidades se esticarem pro mundo e abraça o céu, as estrelas, a porra toda. Respira fundo o entorno, absorve o que te comove e anda junto. Sabe aquele lugar que sorri dentro da gente e pulsa por inteiro a abundância do sentir? É um botão que a gente aperta num canto de si e que desperta o que dorme lento nos dias anuviados da mente. Uma lente. Um jeito de olhar para tudo e qualquer coisa e deixar que os sentidos toquem o mundo com dedos de pétala. Tudo são flores, mais ainda os espinhos que apontam o contraponto das escolhas desalinhadas com o que pode ser bom. Qual o sentido das coisas se não nos tocar? Se transforma com o ar como o vento voa em correntes quentes e frias, as marés altas e baixas e suas correntezas indicando o sentido dos caminhos. Não nada contra. Não se afoga. Não se afoba. De sempre só o hoje. De eterno só o agora. De tudo só a vazio que a gente vai preenchendo com a gente que a gente cria em si e no encontro com o outro. E se o outro não é só alguém, é tudo, as plantas, as águas, as coisas, a temperatura e textura do dia, noite, madrugadas à dentro peito à fora; se nos relacionamos com tudo e todos o tempo todo e o silêncio é só a ausência de voz humana externa, porque a interna quase nunca para, nem dormindo, nem sonhando; se o silêncio é só o barulho ruidoso dos detalhes invisíveis que quase nunca prestamos atenção, o pequeno ronco do infinito que mora em cada segundo, cada escolha, onde fica a paz se não na habilidade do encontro com o sublime? A solidão é barulhenta, a gente que escolhe a música numaa dança com os movimentos internos.  Em que frequência você toca?