Friday, September 28, 2018

Mundial

Esse ano não competi, perdeu a graça, valeu muito mais entrar no mar com um bando de amigos, sem objetivo maior do que me divertir. Quando comecei a pegar onda de peito entrei numa de descobrir meus limites, precisava me jogar no mar mais selvagem, conquistar ressaca e vencer onda grande, aprender manobras, dropar os buracos mais cavernosos, cair em todas as lajes cariocas, dominar picos difíceis e desafiar meus próprios limites, e lá fui eu. Até que descobri a batalha que me vale, “basta a quem basta o que lhe basta...”, já dizia F. Pessoa, e pronto, deu. O destino me ajudou nessa virada da psicopatia para maturidade - por sorte tive que parar por quatro meses, à contragosto, e voltei cautelosa: bateu foi medo de osso quebrado e articulação torcida, deu receio com laje de pedra, coral e areia rasa demais, baixou uma cautela danada de enfrentar o desnecessário quando a recompensa nem compensa e passei a medir melhor o risco. Fui tomada pelo potencial da sequela, e quiçá ouso dizer sem demérito dos corajosos, ganhei a maldita maturidade da consequência e, te digo upfront, não tem volta - agora penso à frente em demasiado. Amo o mar, quero cair, me jogar, sonho com ressaca e gosto de mar que assusta, mas lá no fundo no fundo, no secreto do meu íntimo cada dia mais exposto, eu quero mesmo é onda amigável daquelas que abrem e mostram o trilho, prefiro curtir a rota longa do que fazer manobra na pressão, prefiro chegar até areia na intermediária do que fazer um drop radical no quebra-coco, prefiro me divertir do que impressionar. E de repente foi isso, não sei se com mais ou menos orgulho, acho que alcancei maturidade aquática e virei adulta – até um certo e mínimo ponto, fora d’água  continuo a mesma criança curiosa.

Thursday, September 13, 2018

É Sempre Bom Lembrar...

Quatro gaivotas planaram rente à espuma do mar mexido, ele olhou para o vasto e sentiu a imensidão. Andava engasgado, juntando os cacos, transbordando aos poucos bocejo travado que não deixava o nó no peito desapertar - mas tá melhorando, dizia ele, falta cada vez menos para dissipar. Talvez em pouco tempo bastasse um soluço para destravar de vez, sacudir a poeira e pegar no tranco. Talvez não. Sonhava com cautela passo largo de perna que acostumara a ser preguiçosa. Mas era mais, era forte, elástico, força bruta em corpo compacto e flexível, explosão e tormento, ternura e suavidade. E a mente inquieta pairava em mil poesias dos tantos detalhes de flores, folhas, rachaduras em rochas e todo o azul que o mar resplandece. Tinha dor de homem menino e encantamento de menino homem. Era de sal, de terra, sólido, raiz de tronco largo de seiva doce, pérola em concha, ouro raro em rio escuro, era um bando de coisa linda mas se disfarçava de areia fina e achava que passava transparência. Vinha cavando esse buraco em movediça fazia tempo, mas volta e meia vinha a maré cheia, enchia o copo de mar e o vazio ficava pleno pelo breve vagar daquele instante, e ele afinal entendia que era completo. Nesses dias via no espelho embaçado do banheiro o brilho lá no fundo do olho e lembrava de tudo, de quem era, do que queria, da força que tinha. Era grande. 

Thursday, September 06, 2018

Botafogo

Chovia fino em Botafogo no fim da consulta, eu não tinha pressa mas quis me molhar. Passantes se protegiam debaixo de marquises, jornais, echarpes e capuzes. Acima das cabeças andantes eu assistia uma dança de cores em formato de guarda-chuvas, redomas de mundo como um fone de ouvido que te separa do todo e forma bolha. Não queria bolha, sorria baixinho pensando no meu pai andando comigo de mão dada pelo Leblon debaixo de chuva sempre bradando “eu lá sou de açúcar.” Caminhava assistida pelos olhos secos de quem se protege. A chuva mal molhava, não era pingo grosso, mas a constância assustava quem não deixava que a gota contasse a secura que tinha. E passo a passo eu olhava os rostos que se deixavam ver, me encaminhava pro metrô pensando nos mundos dentro de cada um, cada sonho, cada anseio, cada escuridão que mora ali dentro e seguia meu caminho. E nas quintas-feiras vou para Botafogo de metrô sem telefone, headphone nem guarda-chuva, animada com essa crônica constante que é reparar em humanos em seu habitat. Você já olhou à fundo para quem cruza seu caminho?