Thursday, December 22, 2016

Ressaca

Quando você tá lá no fundo e os locais arregalam os olhinhos, bufando com um riso assustado que o mar tá grande, sobe logo a adrenalina. As ondas não vinham dando as caras essas últimas semanas e a cidade estava em polvorosa de aburrida, até quem nunca saiu passou a ir para festa por falta do que fazer. Ontem finalmente entrou o tal swell que veio mais para muralha quebra-coco e hoje acordei cedo com assovio na janela, "hay olas!" It turns out que era tudo cerrona de novo, umas paredes monstras de oceano verde e espuma branca. Buscamos de moto ondas possíveis, e frente a desistência alheia, acabei tomando coragem e entrando sozinha aqui na frente de casa. Quatro locais, dois argentinos e um italiano em uma cidade onde mais de cem surfistas esperam ter onda - o mar não estava para peixe. Entrei esperando não descer nenhuma, só para estar lá dentro com ondas grandes enfrentando o tal do cuidado e coragem que tatuei nas costelas. Entrei e vi o mar mover em montanhas, correntes quentes de um mundo marinho em constante movimento, eu mergulhava encosta adentro até o chão de areia e sentia corrente pentear o cabelo. Eventualmente tomei coragem e resolvi me jogar. No segundo wipe out meu madeirite bateu forte bem na minha têmpora e voltei à tona tonta e sem fôlego mas mesmo assim resolvi que ainda aguentava mais. A terceira onda foi mais gentil e me deu tempo de planar na sua curva, sentir o vento, ver a vista e até fazer meu spin, rolo, sei lá o nome desse meu vício em girar uma, duas, três vezes onda abaixo, mas foi só um mesmo e ela já veio fechando, forçando a saída pela culatra. Duas horas, cinco ondas, das quais quatro dropei parede verde só para ser arremessada abismo abaixo e massacrada espuma adentro. Hoje enfrentei medo controlando a respiração, tive calma, frieza e preparo mesmo assustada. Já estava me sentindo toda cheia de si, quando peguei o que seria minha última onda e, ao tentar voltar para o outside fui mastigada por um set gigante e infinito explodindo a poucos metros da minha cabeça sem nunca me deixar furar a onda antes da espuma quebrar. Na sexta onda que precisei baixar até o chão de areia para não ser engolida, já não tinha mais ar e enquanto assistia a próxima gigante por vir, minha cabeça começou a estourar de dor de tanto chacoalho e pressão. Considerei pela primeira vez em muito tempo que se o set não terminasse nos próximos segundos estava de fato tudo à beira de dar ruim. Aceitei então que não tinha como voltar para o line up e nadei com a corrente humildemente de volta para o raso fazendo uso do último fôlego que me sobrava - toquei meus pés no chão quando já perdia a esperança. Sai do mar com coração que nem tambor e olhei para ele mais uma vez consciente e impactada pela força da natureza. Fiquei ali quieta agradecendo o regalo e o recado bem dado.
Obrigada Yemanjá por me proteger e me trazer de volta para casa com um saldo só de um galo e uma enxaqueca de matar. Prometo ser menos ousada da próxima vez.