Saturday, December 29, 2012

Shhh


Se descontruiu em 10 segundos, se quebrou em cacos, mil pedaços de nós dois na lama do chão do sambão. Foi sem querer, eu sei, ato mal calculado ecoado em afeto-efeito dominó, pirâmide de cartas embaralhadas demais, confusas, perdidas dentre si. Certos pactos são tácitos – ao compartilhar o fato, você cruzou a linha tênue do o que se preserva sem ser dito, não percebeu que apesar de tanto nosso ser de tantos, aquilo era só de nós dois, fetiche velado gerado no escuro da nossa nudez. Aquele pequeno detalhe era marco de um nosso segredo, à parte de toda amizade, acima de outras promiscuidade maiores ou menores, tínhamos ali uma gota inesperada de um sublime que só brota no raro, muito de quando em vez. Botou na roda, fez do nosso um truque a mais, mais um, qualquer um, qualquer uma. E sim, de fato dramática, se não trágica essa descrição, mas a verdade é que nem eu sabia o peso que tinha uma frase à deriva dentre tantas, duas palavras que separadas, ou até juntas, não necessariamente surtam o efeito da entrega no leito que aquele sussurro naquele momento gerou, sussurro que da tua boca correu por todo meu sangue, cada veia, cada canto, deixando rastro do que não se escolhe nem se controla, deixando tudo à tona, à prova, naquele momento nada mais podia ser só meu se não nosso, momento suspenso no ar, paralelo aos nossos tratos, nossas distâncias e proximidades, nosso tesão ou amizade, ali brotava uma pérola negra dentre tanto grão de areia, ali todo meu egoísmo correu por água abaixo e não me restou nada se não te entregar tudo, compartilhar, deixar para ti as rédeas do meu gosto, meu corpo, meu todo. Fui inteiramente sua pela primeira e última vez e não sabíamos, ah se soubéssemos...

Mas é assim mesmo, o mais importante não se dilui em mar de desejos latentes e desencantos acidentais, sobra para gente o que não se dissipa tão rápido quanto ímpetos menores, tenho contigo vontades maiores de crescer juntos, de ir pro alto e avante, independente de tesão inconstante, ou de sacanagem de fim de night. Não fica chateado que algo quebrou, as coisas mudam sempre mesmo, mas você continua aqui em meu peito, homem melhor amigo que sem pensar me faz querer compartilhar todas e cada rota que se forma sob o céu que nos protege, sobre esses nossos pés que se jogam no mundo à passos largos e desejos as vezes curtos demais. Me dá a mão e bola para frente - mas o cu tadinho, ficou para traz, literalmente.

Saturday, December 22, 2012

Verão no Rio

Rio no verão e pernas para que te quero. Cidade que mela cuecas e rasga calcinhas, suor que escorrega do colo e pinga dentre as pernas do Horto, se joga no mar de Ipanema, desemboca nesse Rio de Dezembro, Janeiro, Fevereiro arrastado em velocidade de desejo que pulsa, morde, se joga da Pedra da Gávea e mergulha no Arpoador, antes emboscada de baleias, hoje porto de garotos de Ipanema, Copacabana, Leme ao Pontal com suas musas do verão e modismos sazonais. Rio à 40˚, 50˚, 100 graus, Rio num grau, num grão de areia que se esconde em todos os cantos, curvas e latifúndios mais fundos de cada qual. SorRio e danço no ritmo da Lapa, ao som do Circo, dos pastéis do Nova Capela, trilhos me guiando até o Mineiro, tarde que vira noite regada a cachaça de gengibre e carne seca. E assim sambando nesse carnaval de encontros e desencontros inconstantes, debaixo de chuva, suor, champanhe, whisky – e haja cerveja, os dias vão passando à contragosto, querendo sentir mais gosto, megalomania na intensidade do querer. No verão o Rio pede mais, quer mais pôr do sol, mais sexo e madrugadas varadas, gente desvairada, bocas, paus, bucetas ambulantes, desgarradas do pudor frio do inverno que aqui mal chega e já vira outono. Eu prefiro é primavera/verão nesse Rio desejante e desejado, cor do pecado, “pecado” palavra por si só piegas, porque no verão o brega fica mais brega, as paixões mais cegas e nem tentei rimar, saiu assim mesmo, porque o brega sempre rima. Rio que vive dourado, chuvas tropicais acidentais, recorrentes quase que diariamente, em Curicica a terra é mais quente, enquanto na barra o vento sopra à la Miami, bundas monumentais e peitos mirabolantes desfilam com questões menores e carros maiores, South Beach é ali. Eu prefiro mesmo é o ar do Leblon, o horizonte da janela da casa antiga em Santa Teresa, as pedras portuguesas do calçadão, a ladeira de asfalto do Vidigal para mim são muito mais astral. Mas a verdade é que o Rio é rio de calor que invade o peito e des-cobre vontade de sair mais, de amar, de viver mais, de acordar e aproveitar segredos sussurrados de bocas quentes e amassos roubados em tardes ensolaradas e a lua sensualizando lá de cima, já toda cheia, toda se querendo pro céu azul. Rio para que te quero, eu te quero, cada dia mais que antes, não te esqueci nem um instante mesmo quando mais longe meus pés estavam mas meu peito ficou aqui, morada do sol que me habita, é por aqui mesmo que eu fico, de resto só viajem temporária e vontades passageiras. Rio minha casa é aqui.

Friday, November 02, 2012

Herói


Carrego a gratidão de alguém que sabe que sempre pode ser pior. Carrego gosto de separações, mortes, terremotos, tragédias de quem vive como se tivesse atravessado a pior das hipóteses – não foi a pior, das piores a melhor, das melhores a tal da solidão, solidão que devasta, que desconstrói para recriar. Da solidão ficou o gosto do que vem depois, como se ela fosse o fundo do poço de um poço que você sabe que vai sair, por mais que você acredite não poder crer, você sabe lá no fundo de todos os fundos, de todos os poços, você sabe que estar ali é necessário para o que vem depois, e quando assim termina, quando você sai, você sabe que sempre há saída,  todas as vezes. Guardo em mim gosto de herói, herói de si próprio, herói que se salva, gosto de quem acredita em si apesar de tudo, apesar de cada insegurança que vive no peito de cada um, eu que guardo tantas, mas uma que não guardo é a de que não vou atravessar – posso atravessar tudo, vou atravessar tudo. Guardo essa noção das escolhas que a gente tem, das saídas que a gente pode encontrar – sempre há saída, não há pessimismo que negue isso, por mais que seja a menos terrível das saídas, há saída, então é por isso que eu vivo sorrindo, vivo com essa alegria enorme só de acordar, essa vontade de nunca querer dormir, de não deixar o dia acabar, é por estar aqui e a cada dia continuar fazendo da merda adubo, do limão limonada, de tantos clichês que podem explicar essa tal sensação de conquista, da simplicidade de ser feliz por ser, por estar, por persistir apesar de cada e todos os obstáculos, não tem tombo do qual eu não consiga levantar. Não tenho medo.

Saturday, October 20, 2012

No Osso

Patela, acrômio, dedão do pé, bando de osso quebrado. Ele era assim, dividido em parcelas; retalho de cicatrizes veladas e vontades inversas. Dizia que não gostava das próprias marcas, não andava se gostando – estava tão quebrado quanto o talo de seus certos ossos. Era é viciado em sabotagem. Afligido por uma imensa teimosia, insistia em confundir integridade com essência, e assim achava que suas margens eram limites – nada fora daquilo cabia. Resistia ao que  ainda não havia descoberto de si, achava que já sabia. Mas não, ainda não havia palpado o entendimento do que podia vir a ser se deixasse ser. Pensava demais, mais do que devia. Tinha receio de se perder no escuro de seu próprio desejo; mais fácil mudar de rota do que seguir em frente, mais fácil escapar, não mais voltar, só para tropeçar na mesma pedra mais a frente, e repetir tudo de novo, num ciclo que não se recicla, tão insustentável quanto o preço do bambu como matéria prima de sonho. É mais fácil fugir do que ficar. E no tal balde que tanto considerava chutar, balde de água mais para quente do que fria, sonho nadava em nuvem, onda à beira de se esparramar pela cozinha do apartamento provisório – não tinha mais onde morar. Insistia em se trancar no silêncio de sua dor, sua solidão, persistia em esconder segredo do próprio peito, sem saber que tudo transbordava no olhar. Era só olhar, estava tudo ali, tão claro, tão transparente em cada palavra, que era mesmo surpresa que a contradição em seu discurso não ecoasse em seus cantos. Andava desencantado, boneco quebrado, sem corda para dar.   

Monday, October 15, 2012

Batata

Uma batata da perna diz muito sobre um homem. Seja de joelho de fora, ou debaixo de pano fino, grosso,  bermudão, uma batata da perna revela toda uma leitura de personagem, como se aquele vestígio de estrutura sozinho expusesse a virilidade do corpo que sustenta – virilidade e fragilidade se arregaçam em uma batata da perna. Se olhadas com cuidado, com atenção de curioso, pode-se fechar os olhos e adivinhar a firmeza do corpo acima. Uma batata da perna revela a força potencial da possível pegada, desde o aperto de mão a uma agarrada, desde a leveza de um carinho ao peso de uma porrada, uma batata da perna tem tendência a incitar o imaginário de um feminino mais atento aos detalhes, detalhes como os dedos da mão, como a mão toda,  sozinha, de tamanho à espessura, textura, formato de cada unha, antebraço, aliás são poucas as mulheres que não gostam de antebraço, abraço e tantas outras rimas óbvias. Pegada também não esconde segredo, uma agarrada de leve, um aperto à la massage, um carinho de supetão revelam mais do o que dissimula. O que existe por trás de um carinho espontâneo e incontrolável? De carinho que escapa do pensamento e se materializa na pele do outro, como um soluço irreprimível, afeto espontâneo e imparável? O que se descobre em um pé, no formato do que liga um homem à terra, que abrange em superfície, se estatela e sustenta todo um edifício de um masculino, cada pé uma batata, um edifício, uma identidade.


Sunday, September 16, 2012

Travessia


Ele era rosto de sorriso largo, mas o que se via por trás dos olhos era uma quase tristeza saindo pela culatra.  O que ele tinha era medo, medo de cada escolha que ainda achava que não havia tomado. Insistia em esquecer que escolhera exatamente aquilo que tanto temia, escolhera a contragosto dizia: a vida havia lhe pregado uma peça, já era tarde demais. Mas a tal peça foi ele quem pregara à vida, o resto era consequência – e nunca é tarde demais.

Ele podia ter dito não, nunca deixou de poder, mas elegeu o sim, e esse mesmo sim dito a duras penas, violava sua serenidade a cada manhã quando se olhava no espelho e tão pouco reconhecia do antigo de si. Lhe preocupava não ser mais o mesmo, esquecendo que a cada segundo deixamos de ser o mesmo do segundo atrás.

Tinha o mundo em suas mãos e não sabia. Horizonte de oportunidades, vontades, todos os desejos que cabem em um peito moravam ali aos seus pés, mas ele hesitava. Ele desconstruía castelo de areia e cavava buraco mais fundo ainda; a angustia vinha lhe roubando lascas de sonho leve, sono leve. Ele andava ansioso, perdendo noites, faminto, sem saber para onde ir – sua fome não se saciava com comida nenhuma, se não com a travessia daquela jornada – ele precisava atravessar.

Eu olhava para ele e queria que ele se visse, que deixasse para traz a importância que dava ao meu olhar, ao olhar de todos e qualquer um,  e simplesmente fosse, fosse tudo que quisesse ser, mesmo  o que ainda não sabia querer. Eu queria que ele pudesse abraçar o mundo que tinha nas mãos – e não o da imaginação – mundo logo ali a três centímetros do nariz, e que a seus olhos parecia mais cinza do que dia nublado. O tal presente tão desafortunado, que ele vestia como uma calça apertada herdada de um estranho, podia ser qualquer cor, qualquer calça, contexto maleável movido a gás de perspectiva. 

Lhe dava um trabalho danado nadar tanto contra a corrente em que havia se jogado. Nada junto, menino do rio, nada que essa corrente sabe para onde te levar.


Saturday, July 28, 2012

Melancolia

Hoje a tal melancolia me assolou. Acordei e fiquei ali deitada com meus botões, tantos botões descosturados que trouxe na gaveta amarela do meu passado. Acordei e segurei cada um na palma da minha mão, sentindo a textura do antigo, temperatura resguardada a contragosto, contra toda dispersão desse presente de tanto vislumbre; deslumbre. E agora com esse deslumbramento assentado, pés mais fincados no chão, começo a palpar um certo entendimento ainda sutil da importância de tudo que ficou para trás.

Afinal o luto.

Assisti Na Estrada e a solidão do descobrir, do se jogar, reacendeu tantas velas apagadas pelo vento da novidade, desse Rio oceânico, desse mar que não canso de nadar. Afinal assumo a falta de tudo que havia esquecido, daquela Los Angeles de sonho e solidão, dos amigos-família que construí e escolhi tão seletamente, falta da grandiosidade Hollywoodiana e suas estruturas dinâmicas e perfeitamente funcionais de trabalho, falta dos omeletes do Le Pain, das Ales da Alehouse, dos vinhos do The Other Room, dos jantares caseiros geniais, sofisticados sem frufru e festas dançantes em casas incríveis de nem sempre conhecidos. Hoje senti falta do que foi tão difícil construir por lá e tão abruptamente abandonado, até hoje não tinha me tocado, tocado a tal ficha que persistia em não cair. Aqui distraída nesse Rio de sexo, suor e champanhe, cidade maravilhosa que eu não canso de me apaixonar a cada despertar da manhã, cada pedalada sem compromisso, a cada grão de areia que meu pé pisa, corre, afunda e se entrega a essa tal simplicidade carioca de saber aproveitar. Não me canso de olhar para tudo e cada coisa, cada qual, cada quem, de reaprender a andar nesse rebolado malandroso, arteiro e prazeroso.

Senti falta daqui, e como senti, mas hoje sei que sou sim da tal “third culture kids”, filhos de múltiplas culturas que nunca param de pertencer a uma e sentir saudades da outra, nesse sobreposto de identidades opostas e ainda assim congruentes. Hoje sou mais carioca e ainda americana, ainda com a mão suada num desejo imenso de me des-cobrir e aprender. Me jogo nesse novo ainda um pouco chocada pela velocidade dos movimentos, desse presente que me assolou quase sem prenúncio, mas jamais beirando medo do que está por vir.

Hoje acordei assustada e gratificada pela minha coragem de viver e não ter a vergonha de ser feliz. E mesmo na melancolia, como sou feliz...

Friday, June 15, 2012

Ressaca

Perdi o sutiã. Foi deparada com a sua cueca que tudo começou a voltar. Seu torpedo confirmando – não foi sonho erótico de bebum. E na memória daquele primeiro momento que você me adentrou, invadiu o tal segredo devagar, sem pressa de chegar, foi na memória desse gosto que lembrei do beijo atrevido, exposto no Horto em minuto que beira meia-noite, beijo que nem eu entendia enquanto agia que aquilo não cabia, não devia caber, não tem nada a ver – mas coube, e foi nessa de caber que o cano da sua bicicleta virou taxi, que o jardim botânico virou paisagem noturna a direita dos ombros, que fantasia antiga virou verdade, verdade ainda meio nublada em meio a ressaca matinal. Você disse que foi bom, que bom, ainda tô aqui pescando lembrança para rir. Rir sim, muito, porque safadeza tanta não basta, esse demoniozinho Katia Flavia que começa de mordida em mordida e de repente me engole, domina todas as taras nefastas presas no porão. Claro que é maravilhoso responsabilizar entidade e tirar de mim a culpa, nesse caso rasa, mas acho que se me visse em ação teria medo, me censuraria, sei lá, “assim não pode, me ajuda, devo parar”! E aí lembro que parar que nada, que no nosso caso tudo cabe, que não tem perigo nem maldade, brincadeira inocente só na amizade e que um demoniozinho esporádico é café com leite, comidinha de monstro que de quando em vez é bem vinda aqui dentre nós dois que sabemos lidar.

Que bom tesão sem complicação!

Saturday, June 02, 2012

O Vaidoso


Você se senta aí em seu trono do outro lado da mesa, vestido em negro para clarear mais ainda teu sorriso. Tão displicente, tão desapegado, cada movimento friamente calculado. Você fala de si com grande entusiasmo, se abre, corre e decorre em detalhes seu cada passo, passado e presente tão conturbado, coitado... abusando sempre desse tormento como justificativa para suas vaciladas.

Não acredito mais na sinceridade do teu interesse. Sua curiosidade não anseia resposta, ela é tentativa rasa de empenho espontâneo. Você se orgulha da própria pergunta e se distrai mergulhado na presunção desse seu falso altruísmo, dessa habilidade de se fazer de engajado quando só o que sua mente espera é a próxima deixa. Sua curiosidade é caridade, gancho de conversa, momento exato de dar um 360˚ no assunto, deixar o outro quase falar e imediatamente trazer o foco de novo para si. Se faz de engajado, mas seu diâmetro de tolerância para o outro só abrange o que te diz respeito. Só te interessa o que te soletra. Auto-hypnotizado com sua própria articulação, você se perde no que vê de tão belo em seu discurso – você nunca esqueceu aquele seu reflexo no lago. Quando em vez você mergulha no tal reflexo, quase se afoga, mas sempre arranja uma mão errante para te salvar o quanto antes da solidão que a tua vaidade inflige.

Você é sozinho, se cerca de mundo mas se perde nas mesmas armadilhas, anda em círculos e cai no mesmo buraco, chão para lá de solado. Vive achando que quer algo mais, que dessa vez vai ser diferente, mas seu deslumbre com o olhar do outro é inevitável, você para por ali – aprofundamento nunca foi teu forte,  iminência de pedra contra seu telhado de vidro. Você só funciona na conquista, imerso na projeção da sua fantasia, se esquece que idealização é em si frívola, insustentável a longo prazo, principalmente a de si mesmo, então haja rotatividade de desejo alheio para fazer brilhar reflexo tão fosco. Só te sobra escombro pós feitiço.

 E foi aí que entrei eu. Mais uma presa fácil em terreno fértil. Minha fascinação alimentou a carência do seu ego. O que eu não sabia é que você não quer ninguém se não um espelho desfocado, nublado pela peneira do desejo novo. O que te move é ser admirado sem se envolver, engajar sem comprometer a integridade da sua semi-entrega, do seu egoísmo vaidoso que se faz de frágil, se vende vulnerável para daí tecer sua teia. O que você quer é receber muito sem dar nada, se entregar só até envolver, aí se limita a margem do teu desejo, que pouco é pelo outro, e sim pela validação de si próprio através do querer alheio.

Te olhei ontem e ficou tudo claro. Te vi ali, se procurando no meu olhar, apaixonado pela minha paixão, sem saber que ao não esconder de mim essa sua paixão pela minha paixão por ti e não por mim em si, você deixou a guarda cair e me mostrou o teu mais feio.

Ontem, quando te vi se vendo, esperando feedback do meu desejo, desejo o qual que você tanto insistiu em ser cuidadoso, medido, decupado em semente de futuro, futuro oco, isca de vontade, ontem quando te olhei pelos olhos justos da realidade, vi toda sua verdade de supetão e me surpreendi com a minha ingenuidade, com esse meu desejo infantil de me jogar de cabeça em lago raso de Narciso.


Wednesday, May 30, 2012

*Nota de pé de página – o inverso do avesso

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Ao se desmitificar a grandiosidade da entrega absoluta, amor heroico, ideal, fantasia utópica, frágil em sua ausência de raiz, vulnerável à abrupta desconstrução de personagem e consequente processo químico de desapaixonamento agudo, e todas aquelas ideias que de sua boca saíram, que estremeceram minha defesa nobre da inocência de quem acredita em mergulhar desfiladeiro a baixo (cair, quebrar a cabeça, levantar em pirueta), aquele sonho do amor que cria sem barreira, sem bobeira, sem fronteira e tantas outras rimas idiotas que eu podia encaixar ao tal do infinito enquanto dure – que não dura, nem sacia... então, a verdade é que sim, você estava certo, aprendi amor imperativo, egoísta em sua liberdade autoritária, desejo infinito de fábula que deixa tudo menos aquém, que demanda o mais sublime e majestoso desejo, que se perde em tanto castelo de areia, tantas marés. Mas eu falo a sua língua, entendo sua cada palavra e concordo que entrega sem medida não se sustenta, que há de haver outro, outros tantos jeitos de construir versus só curtir.


Só que nessa busca empírica de evolução, de desconstrução da repetição, mora a armadilha de um movimento oposto-extremo ao grande encontro, em que se idealiza o desencontro como quebra de formato, e assim repete-se a desmedida. Ao mergulhar nas sacações mirabolantes do conceitual, o desejo se afasta do afeto e se perde à deriva em mar de ideias e não de tato, olfato e os tais sentidos que formam contato. Mesmo porque construção se faz no encontro, no compartilhado, no se conhecer.

Monday, May 14, 2012

Maldito

Te adoro mais em cada frase - cabeça atormentada, raios e trovões. Te vejo sinapses eletrizantes, batida de pé sincopada, corpo em sua melodia inconstante. Você questiona tudo, repensa o já ultra-pensado, examina a fundo e cerra os dentes, curioso com o selado. E atravessa o mundo com olho gigante, lupa fixada em cada detalhe de sua tremenda escuridão. Você sofre, você mergulha em profundezas as vezes tão rasas, tão defasadas de real demanda, mas para ti é difícil fugir dessas suas pequenas armadilhas cerebrais, essa fertilidade exacerbada de pensamentos insólitos e questões-embrião muitas vezes te beira a loucura. Você é louco desvairado mergulhado em razão, e o teu saber é o que te enlouquece, estremece cada pérola achada no teu fundo – vez em quando umas se perdem pela areia, enquanto outras brilham mais quando achadas do que quando pertencidas. Você reage a tudo que te toca, aí da sua toca, vive a examinar, a olhar o revéis. Desconstrói para possuir, para fazer do que já foi re-ser, recosturado, retalhado de passado, presente roupa a se ajustar. Você desconfia do que vem pronto, recria o já consumado, readapta o mundo para fazê-lo seu, menos você no mundo, mais o mundo em você. Você transpira, respira milhões de partículas livres de censura, ambições antigas e desejos novos. Você me pira, ainda que precocemente e a passos engatinhados, te acho em meu peito todo à vontade, andando sem receio minhas estradas mais desertas. Mas você se vende pura solidão, faz do teu peito côncavo no teu plexo, centro desértico de paixão romântica - e já vou te avisando, sou puro romance, ainda aprendendo o tal do amor, mas paixão, coração, é comigo mesmo, e haja pernas para escapar de teia para lá de tão boa. Sossega essa solidão leão, e se joga para o abraço, que meus braços são mais doces do que tua angústia. Digo isso só por hoje, porque o amanhã é pura consequência, e deixo pro peito na sequência essa vontade do que está por vir.