Sunday, January 15, 2017

Retratos

O Ed Mort, meu pai Macunaíma, sempre teve dedo bom para as namoradas em sua grande maioria, especialmente as fixas, posso dizer até que algumas tiveram impacto direto em quem nos tornamos.
A ILana Lansky foi parte grande da minha memória infantil, linda e loura como um conto de fadas, mas antes de tudo fotógrafa talentosíssima e de uma sensibilidade lúdica, ela retratou os nuances da delicadeza das relações da nossa pequena família sempre buscando o cerne do momento sem demandas de pose ou sorriso forjado. Terna em sua suavidade, Ilana deixava ser mais lindo o olhar real que tínhamos naquele exato instante.

Todo ano nas férias viajávamos meses de fusca por cidades remotas do nordeste brasileiro dormindo em casa de amigo ou hotel de beira de estrada para chegar em paraísos de palafita, terra batida e muita natureza. Passávamos meses sem pressa em vilarejos desprovidos da sombra do urbano e aprendíamos sem tentar o sentido mais básico da liberdade.

Ed Vida, acreano, filho de dono de seringal, nascido e criado em meio aos folclores indígenas e à selva amazônica, nunca foi de firula e nos jogou no mato, areia, mar, rio, desde minhas primeiras memórias. Nos botava para caminhar fronteiras de estados a pé por praias desertas, limpava peixe com canivete e matava a galinha do almoço. Fazia muita farofa de ovo, arroz integral pra janta e cuscuz pro café e não hesitava em comprar jaca para servir de barreira para briga de irmão no banco de trás do fusquinha. A gente acordava com o galo cantando, fazia as tarefas proporcionais aos nossos tamanhos e depois éramos livres para fazer o que quiséssemos com nosso dia. Os tempos eram outros, as agora cidades eram povoados e o medo da violência ordinária não permeava a realidade diária, então a gente corria por mato alto e nadava com cobra d'água sem vestígio de medo, a gente fazia de poça de lama piscina e comia fruta no pé.

Lembro bem d'eu com as pernas pequeninas, seis ou sete anos, perambulando durante o dia sozinha por Itaunas quando não tinha casa de tijolo ainda. Eu fazia amizade com pássaro, vira-lata, pedra e montanhas em dunas de areia. Lembro de uma solidão criativa que eu buscava ainda muito pequena, de inventar peças, músicas, danças e poesias pro céu, para as nuvens, para árvores, pra todo e qualquer rio de água fria que eu tanto gostava. Eu sentia uma confiança enorme e uma independência, segura de saber onde pisar e de quando voltar para casa, normalmente movida por comida no segundo caso.

Na minha última semana na Costa Rica, já em tom de despedida, voltei de uma festa mais cedo para dançar sozinha em casa. Fechei os olhos no meu bangalô de palafita e me emocionei com tantos flashbacks dessa infância esquecida, com a simplicidade dos sonhos, com as paredes de madeira e chão de cimento queimado, com a ausência de qualquer necessidade de luxo, e a liberdade que encontro na minha solidão e entendi no fundo do peito o paralelo com essa Costa Rica que eu criei para mim.

Hoje recebo essas pérolas da Ilana, essas fotos, algumas inéditas, e me emociono mais ainda. Agradeço tanto ao meu pai, e mais ainda a ela, por ter feito parte da nossa história e retratado tantos momentos através dessa lente tão apurada e plena de amor. Lembro dos ensaios, das brincadeiras, das idéias e curtições e de muita, muita ternura.

Muito obrigada, Ilana. Essas memórias e essas fotos não tem preço. Que lindo são os encontros. Todo e muito amor para você e família

Thursday, January 12, 2017

Elementar

(Ele)mentar

Passo a passo voa adiante
Passo adelante voo rasante
Rio que corre e escorre
em córregos deslizantes
e em mar aberto desemboca coração desperto

Guarda lembranças em conchas brancas
Tatua memórias em pintas pretas
Nutre sonho ao som de tambor no peito de amante desfeito de medo
Ele é a terra é o sol
É a água é o ar
Ele deságua em estrela
Elementar

No sopro do vento ele plana
Pelicanos, gaivotas, andorinhas ao léu
Ele mergulha de nuvem e nada sem pressa nos abismos do céu
E gira sua órbita em torno da lua
Atravessa portais para galáxias distantes
Não poda seus galhos nem corta raiz
Anda feliz

Ele é a terra é o sol
É a água é o ar
Ele deságua em estrela
Elementar

Saturday, January 07, 2017

Moments Like These

The picture is bad but the moment is unforgettable. Yesterday was my farewell party.
You can never fathom when people first come into your life the impact they may cause. The first time you look into someone's eyes you're completely unaware of how much who they are can change who you'll become. I came to Costa Rica for vacation, to vacate my mind, I never expected to make new friends, much less a family, but it turns out I made many, and ended up also making a home for myself, much more than just a getaway. We couldn't help but getting together, we made no plans, everyday we just kept choosing each other, kept coming back for more and through that we've shared our histories, stories and yearnings, we have danced and sung and surfed and played and drove and dove and cried and laughed many times. We've talked for hours and also stayed in silence. A whole era fits into each day we've spent together. Now time has come for me to say goodbye. I'm not sure when I'll get to look into your eyes again, when I'll get to laugh together and spent time with no hurry like there is no tomorrow. I'm not sure about the next time. But I am sure you are and will always be part of who I've become. Thank you for all the time shared and so much love each and everyone of you gave me. Hope to see you again soon, very soon. I'll never forget you. Love, Chica❤️

Friday, January 06, 2017

Ocean

They seat on the ocean adrift watching the rhythm of the sea. There is a sensor to be opened by the winds, by the currents, by the frequency of the cycle of little waves that grow gradually bigger and smaller again. Patience is demanded, you must find tolerance within your anxiety, you must find peace. They will eventually come if you can handle the wait, there will be one for you - and perhaps there won't, it's still worth the wait. Maybe is in fact the wait what makes surfing so radical, is the wait that builds up the explosion, is the down time that makes it so special when you manage to finally catch and organically find this perfect sync with the natural flow of a wave. You can plan it thoroughly but can't never guess what's to come, you can prepare as much as you want and still be slapped by a very sudden strike of ocean strength as humility pumps right into your chest and fills up your whole body with adrenaline through a wipe out. The ocean smashes you with no sorrow or guilt, just pure power and test. The ocean tests you all the time, not just how much can you take, but also how much you respect it, how much you understand you can't control it. Over all your self-confidence there is nature and that's something you can never compete with.  

Monday, January 02, 2017

Favorite Things

My outside rustic (or guetto depending on the perspective) bathroom makes me think about my favorite things in ST:
- Waking up to moto's engines and whistles from my friends inviting me to surf, breakfast or adventures
- My bangalô cold shower that has the strength of a waterfall 
- Warm home made bread delivered every morning to my table by my Argentinian baker neighbor 
- Checking the surf early morning and whistling just to see Million, the chihuahua, running happily from his house all the way to chill with me at the beach
- Male chefs cooking me food
- My bangalô's light, space, sounds and vibe 
- Impromptu friends' massages
- Going out Thursday to sing along crazy argentinans songs that I used to dislike and now known by heart
- Eating casados y burritos de pescado
- Trying out every banana bread in town
- Eating dust on the back of my friends' motorcycles and feeling like the goonies 
- Tide pools, waterfalls, beaches and no bitches 
- Driving quads 
- Going to surf and finding all my friends in the water 
- watching hundred birds lining up the flight back home every afternoon
- Watching sunsets playing soccer 
- Watching sunsets from the water 
- Seeing the ocean and sky from up the mountain
- Full moon and fire pits
- The sea water's temperature
- Sleeping early
- Waking up early
- Dancing with my sweet and hot neighbor at my bangalô before I go out and he stays in
- Biking around town and running into new and old friends 
- Walking barefoot everywhere pretending the evil pointy rocks are shiatsu
- Bodysurfing waves long enough for me to do triple spins
- Practicing new bodysurfing tricks
- Getting my friends to fall in love with bodysurf 
- Taking water pictures with my new equipment 
- Waking up with no alarm either plans
- Get to hear foreigners' stories and perspectives and understand my friends cultures
- Not ever feeling like I have friends enough
- Trying to figure out how can I have less things
- Finishing the day feeling like it fits a whole era into it

Ah Mar

Desperto temprano já pensando no mar. Outro dia acordei com tempestade, dia cinza, água fria e um bando de rosto assustado desistindo de surfar, todos queimados por água-viva, mas não tinha vento e as ondas quebravam pra todo lado e não deu nem pra pensar duas vezes antes de me jogar. O mar chama. Ele é correnteza, calor e frio, medo e conquista, e muita amizade, sorriso em cara boa e stress em cara feia,  porque tem isso também. O mar tem curvas, cores, reflexo de tanta luz, e tem o vento, os peixes, os pássaros e não raro arco-íris na espuma quebrando. O mar é esse convite para tanto encontro, consigo e com os amigos e com o perigo e a coragem. Ah-mar

Sunday, January 01, 2017

Costa Rica

No dia 28 de maio saí de uma filmagem direto para o aeroporto depois de um ano inteiro de set. Voei para a América Central sem poder imaginar que minha vida ia virar do avesso. Não planejei mudança nenhuma se não uma férias de tudo, especialmente de mim mesma, de um eu que eu estava cansada de aturar. Andava sobrecarregada, exausta, estressada, me sentindo oprimida pelos meus compromissos. Me vi sem tempo para mim, achando que me cuidar era ter minha unha feita, uma pedalada de bicicleta ou um consumismo tapa buraco - mas o buraco não enchia. Sentia uma angústia, o tempo passando em dias massacrados e noites mal dormidas, volta e meia vinha choro transbordado no fim do dia, vinha explosão desnecessária e não raro uma tormenta de pensamento negativo. Me senti envelhecida, cansada, achando que o caminho daqui em diante virara árduo e sistemático. E aí veio esse um mês aqui na Costa Rica que se estendeu em cinco e descobri um bando de coisa que precisava mudar.

Em agosto, em um hiato necessário, voltei para órbita carioca bem no meio da viagem justamente para ajustar as mudanças que a vida me ofereceu e eu abracei. Resolvi que não podia abandonar nada ao léu e sim remanejar com delicadeza as estruturas. Precisei reorganizar minhas prioridades para estarem mais de acordo com o caminho que eu venho descobrindo, mas cuidando de todos os laços sem deixar nada desatendido. Voltei mais do que tudo pra transformar, com todo carinho e cuidado, um grande amor em uma amizade para vida - mas isso é outra história.

Em outubro retornei para Costa Rica em busca desse eu melhor que encontrei aqui, vim disposta a destrinchar minhas angústias em possibilidades e alimentar essa frequência e suavidade.
Tive alguns percalços com a natureza aqui tão selvagem, não posso negar, fui picada por aranha, mijada por esquilo, queimada mil vezes por água-viva e atacada por cardume de sardinhas. Separei briga de cachorro, matei barata voadora, espantei formiga gigante tentando comer pedaço do meu pé e escapei até de escorpião. Nem sempre a natureza é gentil, mas quando é dá um bando de presente, teve arco-íris de cabo à rabo do céu, chuva dourada, plâncton brilhando no escuro, noite estrelada sem economia de estrela cadente. Teve raia preta com pintas brancas dando salto mortal bem do meu lado, tartaruga, baleia, e um milhão de rasantes de pelícanos performáticos. Teve gaivota esperando onda comigo e mergulhando fundo mar adentro, teve o canto de tantos pássaros, o silêncio das iguanas, o grunhido rouco dos macacos. Teve cachorro que me adotou e gato preto sem rabo que eu fiz carinho mesmo ressabiada, até amizade com carangueijo fiz, nunca imaginei, mas nada me põe em riste mais do que o mar - foi lá que descobri um bando de coisa e alguns segredos, é lá que todo meu caos se aquieta e entro em sintonia com suas correntes e minhas marés. É no mar que mergulho em mim, que silencio angústia onda abaixo e desafio cada fibra, cada célula.

Sou feita de oceano e barro, feita para viver com pé escorregando na lama e pisando em pedra, nadando a favor da corrente sem pressa para respirar. Mas tenho outro mundo também, mundo de grandes responsabilidades e pequenas decisões urgentes. Lá onde não tenho tempo de fazer xixi, pega mal, corro frenética de set em set entre frequências de rádio e diferentes canais. Tenho domingo de folga e às vezes um dia na semana, surrupio momentos matinais de esporte ao ar livre. Mas corri muito atrás do mundo que tenho, não perdi tempo, e não quero jamais correr atrás do tempo perdido. Sei o quanto quero viver. Tenho fome, estou ávida, quero abundância. E aqui onde viver é sonho, onde tudo fica tão simples apesar de acabar de escutar o mover de um corpo estranho entre a madeira do teto do meu quarto e o sapê, quiça uma iguana, um morcego, who knows, ouço seu rastejar mundo acima e não me incomoda, me acomodo, continuo aqui a pensar.

Daqui a uma semana, oito meses depois de ter saído pro mundo desavisada do quanto a minha cabeça ia girar, atravesso o portal, retorno do buraco de Alice e volta tudo ao normal. São doze anos em que busquei com muita gana aprender todas as técnicas de filmagem, de entender o conjunto como um todo e cada detalhe dos pormenores, de formar cabeça e desenvolver habilidades, de apurar o olhar e conquistar espaço e isso não se joga assim pela janela por uma sensação de liberdade. Há, hoje eu sei, um compromisso com as possibilidades. Entendo afinal a tal da história da responsabilidade consigo. Volto para o Rio consciente dos contratos que fiz e demandas a satisfazer, abraço a importância dos dois mundos em mim e nesse aspecto vejo que posso ter tudo, o melhor dos dois, dividir minha vida entre dois opostos extremos que tanto se complementam. Converso comigo hoje e entendo que há espaço para tudo, até meu avesso não averso. Sei que posso mais de mim, mais do meu bom, do meu melhor. Não quero sucesso, fama, nem status, quero qualidade de vida, e não em roupas nem trends da hora, mas digo em tempo, amizades verdadeiras, comida bem feita, solidão com foco, e inspiração para criar algo que gere caminho. Sei que preciso voltar, e volto justo por não querer abandonar o que conquistei, volto em janeiro para mais um projeto com o coração alinhado com o que construí, entendendo que minha carreira e trabalho são lindos também e quem sabe consigo aplicar um pouco dessa minha força suave, dessa minha nova leveza no stress diário das minhas demandas urbanas. Acho que foi isso que vim aprender aqui, a ter paz no caos, foco em meio à dispersão e serenidade para lidar com a vida de um lugar mais ameno para mim mesma. Vou tentar como posso. Acho que estou pronta. Bem lindo 2017