Monday, November 27, 2023

Rédea

Sexta-feira você me olhou diferente, sorriu riso aberto olhando no olho, disse tudo que eu queria ouvir sem nenhuma palavra e atravessamos a rua mais juntos do que até então. Você me segurou pelo pescoço, pelo ombro, pela cintura, me regendo pela calçada na direção do seu caminho. Eu me deixei levar, entregue à sua música, assim como havia previsto a rédea dada. Tinha te reparado ainda de dentro do táxi, calça clara, camisa escura e seu jeito firme de sustentar seu corpo no mundo. Você tem as costas largas do rey da Prússia, eu tenho as costas largas da floresta amazônica, nós dois temos o mar. Nesse encontro de dois (mil) mundos, há tantas costas para gente desvendar. Esse final de semana, pela primeira vez, dormi em teus braços, rolei na grama macia do seu peito em meio a sonhos eróticos e acordei pro tal café da manhã que te contei por escrito. E a gente segue assim, se expandindo juntos, se estranhando e se expandindo mais ainda. Dois polos opostos com o cerne parecido.

Sunday, November 12, 2023

Era Para Ser Um Soneto

Vou te escrever um soneto, talvez uma história de amor. É que o diabo se esconde no detalhe, naquele fim de palavra que saiu mais rouca da sua boca ali pela cozinha e eu tendo que disfarçar a torrente quente que faz nascente rachar. Mora também no riso de canto de boca, no olho no olho, ponta de língua, na nuvem de perfume e talco que fica no meu corpo quando entrelaça com o seu. Se teu peso me esmaga, eu derreto, me espalho, sustento tudo sem precisar de nada. É que você cabe bem em mim, vai encaixando nos cantos feito lava quente, inteiro, vasto, imenso. E eu que sempre tô no volante, sento no carona e te deixo me levar (e é difícil não ter a rédea, não quero a rédea, toma a rédea e me leva contigo à galope). A gente pega a estrada, desce pro parquinho e almoça com as estrelas.

Thursday, November 09, 2023

Café da Manhã

Posso te dizer a verdade, eu queria é ter tomado café da manhã, essa história de dormir separado (tudo bem, cada um com seu hábito), mas para mim, desperdício de pele. E sei que a diferença rachou o chão e você entrou em uma redoma de vidro que ficou difícil de transpor. Seu rosto ali fechado, mergulhado em considerações, enquanto eu desconsiderava o que diverge e regava as convergências. Não me assustou sua diferença, me surpreendeu no máximo, e sabia das dificuldades envolvidas se encaradas no olho, mas nem tudo precisa de palavra (inclusive, talvez até nem mesmo esse texto). Eu via ali na bifurcação das ideias opostas um lago alheio ao mar que estávamos nadando. Se os olhos botassem a lupa no que havia em abundância e não em escassez, sabia que poderíamos flutuar na corrente quente das congruências. Ao adentrar caminhos que não os familiares, expando meu tamanho em novos atravessamentos. Nada era para mim pedregulho, quiçá uma pedrinha daquelas chatas que fica presa na sola e você sente quando anda, e talvez ela se ajuste ao sapato, talvez se dissipe em poeira, talvez você a tire com a ponta dos dedos, talvez ela não saia mais. Ainda assim eu continuava andando. Mas você ali frio, sentado do outro lado da mesa de plástico, óculos escurecendo o olhar e nenhum sorriso em vista, me parecendo preso no incômodo ao invés dos prazeres, me fez sentir batendo num muro alto erguido bem no meio do caminho de pedrinhas preciosas. Não sou boa com muros, tendo a puxar meu freio de mão, até mesmo para não me esborrachar. Tenho meus muitos defeitos, dentre eles a habilidade de entrega proporcional à de proteção. Ali sim me assustei, não com seu conteúdo às vezes controverso para mim, mas com seu modo de se fechar, mesmo ainda pedindo por mais. E como acredito no encanto das coisas, na beleza do que só se dá na integridade da entrega, prefiro sempre o riso largo, o abraço apertado, mesmo no difícil eu prefiro transbordar. Meu freio foi o muro baixo que consegui construir frente ao seu, quando na verdade queria te sacudir o ombro, dormir de conchinha e despertar pro café da manhã.