Friday, June 15, 2012

Ressaca

Perdi o sutiã. Foi deparada com a sua cueca que tudo começou a voltar. Seu torpedo confirmando – não foi sonho erótico de bebum. E na memória daquele primeiro momento que você me adentrou, invadiu o tal segredo devagar, sem pressa de chegar, foi na memória desse gosto que lembrei do beijo atrevido, exposto no Horto em minuto que beira meia-noite, beijo que nem eu entendia enquanto agia que aquilo não cabia, não devia caber, não tem nada a ver – mas coube, e foi nessa de caber que o cano da sua bicicleta virou taxi, que o jardim botânico virou paisagem noturna a direita dos ombros, que fantasia antiga virou verdade, verdade ainda meio nublada em meio a ressaca matinal. Você disse que foi bom, que bom, ainda tô aqui pescando lembrança para rir. Rir sim, muito, porque safadeza tanta não basta, esse demoniozinho Katia Flavia que começa de mordida em mordida e de repente me engole, domina todas as taras nefastas presas no porão. Claro que é maravilhoso responsabilizar entidade e tirar de mim a culpa, nesse caso rasa, mas acho que se me visse em ação teria medo, me censuraria, sei lá, “assim não pode, me ajuda, devo parar”! E aí lembro que parar que nada, que no nosso caso tudo cabe, que não tem perigo nem maldade, brincadeira inocente só na amizade e que um demoniozinho esporádico é café com leite, comidinha de monstro que de quando em vez é bem vinda aqui dentre nós dois que sabemos lidar.

Que bom tesão sem complicação!

Saturday, June 02, 2012

O Vaidoso


Você se senta aí em seu trono do outro lado da mesa, vestido em negro para clarear mais ainda teu sorriso. Tão displicente, tão desapegado, cada movimento friamente calculado. Você fala de si com grande entusiasmo, se abre, corre e decorre em detalhes seu cada passo, passado e presente tão conturbado, coitado... abusando sempre desse tormento como justificativa para suas vaciladas.

Não acredito mais na sinceridade do teu interesse. Sua curiosidade não anseia resposta, ela é tentativa rasa de empenho espontâneo. Você se orgulha da própria pergunta e se distrai mergulhado na presunção desse seu falso altruísmo, dessa habilidade de se fazer de engajado quando só o que sua mente espera é a próxima deixa. Sua curiosidade é caridade, gancho de conversa, momento exato de dar um 360˚ no assunto, deixar o outro quase falar e imediatamente trazer o foco de novo para si. Se faz de engajado, mas seu diâmetro de tolerância para o outro só abrange o que te diz respeito. Só te interessa o que te soletra. Auto-hypnotizado com sua própria articulação, você se perde no que vê de tão belo em seu discurso – você nunca esqueceu aquele seu reflexo no lago. Quando em vez você mergulha no tal reflexo, quase se afoga, mas sempre arranja uma mão errante para te salvar o quanto antes da solidão que a tua vaidade inflige.

Você é sozinho, se cerca de mundo mas se perde nas mesmas armadilhas, anda em círculos e cai no mesmo buraco, chão para lá de solado. Vive achando que quer algo mais, que dessa vez vai ser diferente, mas seu deslumbre com o olhar do outro é inevitável, você para por ali – aprofundamento nunca foi teu forte,  iminência de pedra contra seu telhado de vidro. Você só funciona na conquista, imerso na projeção da sua fantasia, se esquece que idealização é em si frívola, insustentável a longo prazo, principalmente a de si mesmo, então haja rotatividade de desejo alheio para fazer brilhar reflexo tão fosco. Só te sobra escombro pós feitiço.

 E foi aí que entrei eu. Mais uma presa fácil em terreno fértil. Minha fascinação alimentou a carência do seu ego. O que eu não sabia é que você não quer ninguém se não um espelho desfocado, nublado pela peneira do desejo novo. O que te move é ser admirado sem se envolver, engajar sem comprometer a integridade da sua semi-entrega, do seu egoísmo vaidoso que se faz de frágil, se vende vulnerável para daí tecer sua teia. O que você quer é receber muito sem dar nada, se entregar só até envolver, aí se limita a margem do teu desejo, que pouco é pelo outro, e sim pela validação de si próprio através do querer alheio.

Te olhei ontem e ficou tudo claro. Te vi ali, se procurando no meu olhar, apaixonado pela minha paixão, sem saber que ao não esconder de mim essa sua paixão pela minha paixão por ti e não por mim em si, você deixou a guarda cair e me mostrou o teu mais feio.

Ontem, quando te vi se vendo, esperando feedback do meu desejo, desejo o qual que você tanto insistiu em ser cuidadoso, medido, decupado em semente de futuro, futuro oco, isca de vontade, ontem quando te olhei pelos olhos justos da realidade, vi toda sua verdade de supetão e me surpreendi com a minha ingenuidade, com esse meu desejo infantil de me jogar de cabeça em lago raso de Narciso.