Saturday, August 22, 2020

Cheio de Ar

Me deparo com o tempo. Andava tão sumido, todo mundo reclamando sua falta e ele aparece sem aviso, sem um telefonema anunciando sua chegada, sem dar tempo para me organizar para o tempo, o interfone toca e pede para não descer, o tempo vai subir. De repente me deparo com o presente em uma caixa embalada com fita vermelha e nada dentro, cheia de vazio. E se o copo está cheio de ar, sempre esteve, agora só resta transpirá-lo em algo novo. Outro dia meditando senti a pulsação do todo, a cada respiração inspirava um pouco do universo para dentro e expirava um pouco de mim para ele de volta. Outro dia ouvi o silêncio e ondulava pulsando. Tenho escutado os barulhos por traz dos sons, tenho olhado pro que mora atrás do olhar, ouvido os subtextos disfarçados nos textos, tenho estado presente. E foram fases, andam sendo. Primeiro o alívio da sobrecarga, o sentimento fino do dissipar do stress, depois o buraco, e agora, José? Veio um bando de barato solitário em forma de arte, música do despertar ao fim do entardecer, muitas palavras escritas e livros devorados e à noite filmes e mais filmes, me enchi de mim e não cabia quase nada mais, escolhia um telefonema por dia para trocar tudo que tinha e de resto meu tempo com o tempo guardava para mim. Três meses destrinchando memórias, refazendo traduções de histórias antigas e transbordando ficção. Livro escrito, me dei férias da minha própria demanda e me joguei na pequena bolha paradisíaca à que me permiti, escrevi sobre a ilha e fui para a que pude criar em meio à quarentena que Zeus nos deus, aqui do lado, ali em Búzios mesmo, podia até ter sido aqui dentro do templo mas lá, cheia de tantas diversões azuis, me distraí de mim mesma e me perdi um pouco de novo. Agora tô aqui, de volta para casa, eu e essa mesa, essas teclas, o café e o baseado, hoje com 70’s ecoando pelos alto-falantes da sala, a chuva chovendo e o buraco de novo no peito esperando pela próxima solução de preenchimento. O que vira, o que virá?