Friday, August 18, 2017

Impressões Matinais


Adentrei o Monte Líbano com memórias do Sarongue mas atravessei o túnel das lembranças e me deparei com os senhores e senhoras prósperos do Leblon mergulhados no cloro morno de sua natação da manhã. Descobri uma sala vazia de acrobacia e sem saída voltei para o desconforto do banco da minha bicicleta. Atravessei o Jardim de Alá surpresa com um Rio que eu nunca olhei dali, céu refletido nas águas não tão cheirosas que escorrem da lagoa até o mar. No arpoador vi um homem algemado, besuntado em areia, sentado calado num banco de cimento, guardas municipais, PMs, e policiais de turismo o entornavam às gargalhadas enquanto ele olhava fixo, triste, para o chão. Havia um abismo ali. Evitei olhar mas deu nó no peito e vontade imensa de parar toda aquela cena, de sentar com aquele homem e pegar na mão dele, de falar com ele, de voltar no tempo e ver nos olhos dele ainda criança tantos sonhos transbordados. Olhei pro mar do Diabo e pensei que inferno esse nosso paraíso. No caminho para o Leme passei pela mesma tanta gente que vejo de manhã, rostos de estranhos carimbados nos caminhos repetidos desse meu amanhecer. Uma mendiga drogada, enrolada em edredons, deitava apaziguada em plena ciclovia enquanto corredores e ciclistas como eu desviavam como de uma pomba estatelada no asfalto. Fui invadida mais uma vez por essa gana sem força executiva de ajudar, de largar meu pequeno momento feliz e fazer algo, e lá longe ouvia meu pai ao fundo "escolha suas batalhas, minha filha", uma mendiga drogada e um assaltante da madrugada, e eu uma mulher burguesa com sua culpa cristã anuviando seu mais simples instinto humano de afeto.

Wet Suit

Saí de casa ainda escuro com pé de pato em punho e o porteiro me desencorajando, "pelo amor de Deus, vai dormir. Tô morrendo de frio aqui...", fui parcialmente abatida pela dúvida repentina, mas fui. Já no Diabo vi a cabeça do amiguinho lá no fundo do mar sem sol e, meio à contragosto, me joguei na água gelada. Logo chegaram mais seis, fiquei no mar com pé formigando e a mão dura, estimulada pela guerreirice deles que nem de neoprene estavam. Uma hora e meia de friaca al mare, até que nos demos conta do bloco pesado de nuvens negras fechando o céu do Arpoador e saímos correndo contra tempestade de areia batendo como farpa da canela até a cara - minha roupa de borracha molhada virando uma escultura de areia em movimento. Voltei de bike batalhando contra o vento e a chuva fina que cortava em mil meus poucos pedaços de pele ao léu. Pedalei a jato, amaldiçoando meus quereres enquanto tentava achar prazer no sofrimento - pedalava e sonhava com o chuveiro quente. Corri pingando prédio adentro, molhando o tapete felpudo do elevador, só para me jogar na água fervente do box ao som de um reggae que eu cantava em silêncio. Quando a água tocou o corpo, eu já à beira de me contentar pós perrengue, fui abrir o neoprene só para descobrir que o zíper traseiro tinha emperrado. Para tudo. Por cinco minutos me manobrei claustrofóbica dentro daquela prisão de borracha molhada, puxava para lá e para cá e o zíper nem movia, gelada e quase já suando, beirei o pânico, mas por falta de platéia e opção continuei me dobrando e desdobrando ao meio para solucionar a questão. Fiz de tudo, até que finalmente desliguei o chuveiro e desci elevador abaixo ensopada, enquanto elaborava planos de corte e costura da maldita roupa. Com um sorriso já quase resfriado, apelei pro mesmo porteiro agasalhado, que me livrou do zíper enquanto soltava às gargalhadas, "te falei que isso é coisa de doido..." Olhei no olho dele e disse sorrindo, "amanhã vou de novo!"
Valeu @zerodoiszoom por esse registro lindo da tempestade chegando.
#semprevaleapena