Sunday, December 28, 2014

Ed Mort e seu Bediai

Conheço o Ed a 36 anos, claro, além de tudo ele é também meu pai. A gente tende a pensar que conhece a fundo nossos pais, parentes, grandes amigos, amantes, mas a verdade é que não importa o quanto convivemos, pouco sabemos o que realmente se passa dentro dos segredos de cada um. 

Ed é acreano, cresceu em seringal, caçula de 11 irmãos, todos começando com a letra E. Perdeu tudo aos 6 anos de idade com a morte do pai e dali foi vender bala em ruas de terra batida pelas cruzadas de Rio Branco. Lá pelos seus 19 anos, juntou o pouco que tinha e tomou coragem de se jogar no mundo sem nem conhecer ainda o que era um elevador. Se formou no Rio como jornalista, escreveu em inúmeros jornais, foi preso político nos idos da ditadura e voltou a Amazônia em inúmeras excursões como jornalista, fotógrafo, e dê certo modo antropólogo, pois não há como viajar por essas bandas, quiçá nenhuma, sem acabar sendo um observador da alma e cultura de onde se vai. 

Passou anos em tribos e peregrinando a floresta. Quando nasci já vim com o imaginário de uma Índia, me contava desde muito pequena lendas de tribos e nos ensinava o canto de pássaros, o nome de árvores, como respeitar e andar em matas e cachoeiras. 

Acabo de terminar o livro "A Viagem de Bediai, o Selvagem, e o Voo das Borboletas Negras" o oitavo livro desse homem complexo que eu chamo de pai, e me encontro completamente emocionada com esse diário em prosa de uma das suas muitas excursões pela Amazônia. 

Não sou de xurumelas, quem me conhece sabe que sou sincera até demais nas minhas críticas, mas de fato, e independente de qualquer grau parentesco, é uma das histórias mais lindas que já li, escrita fácil e lúdica que te leva a uma viagem intensa pelos rios, matas, povos e mundos desse país. 

O lendo agora tantos anos depois de achar que tanto o conheço, me deparo com um homem ainda mais intrigante do que jamais imaginei. 

Parabéns, pai, você é um cara e tanto! Te amo demais e seu livro é de gargalhar e chorar quase que incessantemente. Que venham outros mais! 

Sua filha maravilhosa, beijos da Tailandia, e mesmo sem de dar um abraço de ano novo, to contigo sempre em todo lugar que eu vou! Chica

Tuesday, June 24, 2014

Vida de Set


Sentei no carro com um sorriso na boca, o dia tinha passado corrido mas sem pressa, fazia tempo que eu não lembrava de prazer desses. Sol nem raiado ainda e já ia eu, à beira de mais uma tarde, mais uma noite, mais um dia de trabalho. Hoje quando eu sai do set e sentei no carro com um sorriso na boca lembrei do meu primeiro dia, na verdade madrugada, dirigindo insegura pro trabalho novo, atravessando o imponente portão dourado, recebendo minha primeira credencial a caminho de uma cidade cenográfica, e me deslumbrando com um mundo ainda no escuro, pouco a pouco revelado, o dia amanhecendo, a luz batendo nas janelas de vidro dos prédios falsos, NY Street backlot se revelando aos meus pés, eu ali, em pleno Paramount Studios, toda a grandiosidade de estrelas hollywoodianas voando pela minha cabeça, Gene Kelly, Rita Hayworth, Greta Garbo passando em filmetes num meu sonho acordada, eu estava ali, aquela era eu. Era eu, e vastas memórias de desejos debruçaram sem rédea pela minha caixola, as minhas primeiras histórias ainda ditadas antes de saber escrever, a graça plena dos tantos anos no palco, a vontade involuntária de escrever poesia, conto, peça, roteiro, livro, escrever qualquer coisa, de viver histórias muitas vezes só para gerar escrita. Era eu ali, ainda de assistente de produção, aprendendo tudo na chibatada mas com excelência, carregando lixo cantando “She’s a Maniac” porque mama sempre falou para fazer da merda adubo. Primeira lição: nunca ande devagar no set! Sempre seja a primeira a responder o rádio! Faça antes de pedirem! Corra lôra, corra! Go, go, go!!! E eu ali com minha fome de imigrante, perrengue já ficando pro passado, tendo tão pouco e querendo tudo. Eu ali de olhinhos ávidos, brilhando, absorvendo cada passo, cada marca de cena, cada tom de voz, cada lente, cada técnica, cada jeito de contar história. Eu ali de assistente de direção achando que tinha que me formar fazendo, sendo maquinista, loader, set dresser, tudo e qualquer coisa para saber mais, eu quero mais, o mundo se abriu pros meus pés! Hoje quando entrei no carro com um sorriso na boca lembrei que o tempo passou e olha onde eu fui parar, num mundo de histórias contadas em imagens, com estrutura de profissa e possibilidades mil, que trabalho é muito mais do que o que paga nossas contas, e sim, no mundo ideal, uma extensão do que a gente é. E o melhor de tudo –ainda pagam a gente para fazer isso. Hoje entrei no carro com um sorriso na boca e lembrei do quanto eu amo o que eu faço.

Tuesday, June 10, 2014

36

Hoje faz trinta e seis anos. Ainda lembro do primeiro banho de rio no braço, jogando a boinha vermelha de cima da ponte e mergulhando ao léu em água doce com meu pai, eu nadava esbaforida e ele andava para trás, “vem vem vem” falava, eu tentava ansiosa, afoita pelo abraço. Lembro da primeira lembrança de tato, peito no peito de mãe nua, quente, textura só sua, coração batendo com o meu, sol banhando nós duas. Lembro do sorriso dela do alto da escada de madeira da primeira casa de Santa, das óperas e Piaf ecoando no seu tom pela sala do Raposão, de ser criança sempre de mão dada com meu irmão que me olhava com ternura e me cuidava feito homenzinho desde pequenininho, Bruninho sempre me protegeu. lembro das histórias contadas no escuro em que mama dormia primeiro e enrolava os nomes, fatos, lugares e a gente ria pedindo por mais enquanto ela sonhava em voz alta. Lembro do Ed cantando cantiga nada tranquila e me embalando a jato em sono leve, nunca fui de dormir bem, desde bebê, na ânsia de sair nasci em vinte minutos e ainda hoje sinto essa pressa, essa fome de mundo, de manhãs cedo, madrugadas varadas, tardes longas, noites muitas noites, nunca soube escolher entre a noite e o dia. Lembro também das histórias contadas, do meu um ano e meio regado a ovo cru, quando achada em galinheiro quebrando um a um na boca com sorriso, “égua, diaba lôra...” meu pai já dizia, mais tarde precisei do limite de quatro gemas por dia, se deixasse comia dez – sempre fui das quantidades, doze mangas seguidas, quarenta figos por tarde, sacos inteiros de pão, potes de requeijão, e pudim que eu fazia escondido em meio à mundo integral e comia inteiro de uma vez só para não ser descoberta. Lembro dos meses afora pelo nordeste com Bruninho, Ed e seu mundo de adultos, crianças, agregados e namoradas mil, nós mini moglis, desvendando cachoeiras e dunas de itaúnas, quilômetros a pé em praias sem fim, histórias de cidades tomadas por areia, cobras que comem homem inteiro, lendas antigas sem bicho papão, nunca dei bola para medo. Lembro do Ed falando “te criei pro mundo, jacaré” e da mama e sua voz quase rouca dizendo “que abundância é viver” toda vez que eu caia das nuvens, sempre gostei das nuvens, sempre aumentei as histórias e fiz escolhas mais fantásticas do que reais, mas me joguei de fato cedo no mundo e descobri vastidão em meu peito. Precisei ir para longe para entender que o que quero está muito mais perto do que qualquer distância, cabe dentro de um metro e cinquenta e quatro e meio e mora em cada segredo e vontade que nutro, das tripas coração. Trinta e seis anos e cada ano descubro que o que o que vale é abrir o peito pro mundo e mergulhar até o fundo, só o que vale é coragem, sempre sobra ar, sempre tem saída, sempre vai dar certo, “e andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar.” 

“...mundo mundo vasto mundo, mais vasto é o meu coração”
Drummond

Friday, June 06, 2014

Um Dia Pro Outro

O dia amanheceu anuviado, vento de lado em crista de onda, corrente puxando pro sul. Ainda era cedo às seis mas não sobrava azul, só cinza do peito para fora,  cinzas céu adentro. Hoje de manhã só vi rosto triste pela rua, velhos calados com suas enfermeiras, casais sem mão dada, criança birrenta dentre pedras portuguesas, atleta com frio demais para entrar na água. Hoje ninguém se jogou na manhã sem peso que engole, cada um afogado em solidão e pão na chapa, tristeza ecoando pelas esquinas de Copacabana, Ipanema, Leblon, orla inundada em angústia e mágoa.  E não ouvi passarinho nenhum, nem gaivota veio dançar com o ar, só uns pombinhos cagando baldes em cabeças cheias de vazio. Hoje de manhã o ar estava quente e o dia transbordando desamparo, jornal esvoaçava notícias ao léo, bicicleta sem roda parada no poste abandonada, nem o café quente calou o frio, quem se importa, o que importa, enquanto o sol não vem, melhor guardar dia para madrugada.

Enquanto isso, galáxia a fora,


Ontem a lua deitada grávida sussurrou para noite sonhos longos, estrelas cadentes rolando em suas bochechas, contou pros sete ventos histórias de noites escuras, longas demais, noites que insistiam em não amanhecer, seguravam o sol pela rédea, preso em armadilha pro dia, não haveria tarde, só noites em seu gradual do azul escurecendo universo adentro, buraco negro. Ontem a noite a lua amarela gritou pros quatro cantos em silêncio, falou com meteoros, galáxias siderais, anéis planetários segredos intergalácticos que só ela guardava dos dias em que esperava o sol descer para subir, e todo mundo ouviu em meio a universo estático, parado em suspenso por um, dois, milhões de segundos perdidos letra a letra desperdiçada boca a fora daquela lua agora cinzenta, em meio a uma única nuvem fina, quase cenográfica, quem botou você ai? Gritaram lá do fundo. E o dia amarrado, pulsava ansioso por vir a tona rosa, amarelo, laranja, rasgar o céu a fora, correr pro abraço, esbanjar verde e azul em cada mar, banhar as montanhas com luz, dar sombra de presente para árvore. Não era tarde, já vinha a tarde, mais tarde, era só questão de tempo.

Wednesday, April 09, 2014

Aquele Abraço

Aqui de longe tudo continua perto, dentro um do outro, nada muda, tudo é teu e nosso. Aqui de longe não há distância entre o que mora em cada pelo e poro do meu corpo do teu, nos encostamos por trilhares de partículas vizinhas dentre espaço sideral onde a nossa galáxia não se dispersa em buraco negro, e sim poeira de estrela que forma planetas e asteroides orbitantes de um mundo que existe na nossa frequência, nos nossos peitos, no nosso abraço. Sinto saudades sim, mas sua presença não me faz falta porque ela mora em mim, então se joga no mundo que o teu feliz é o meu feliz, e quando o tempo for pro nosso tato, não é preciso pro nosso amar.

Thursday, March 13, 2014

Deixa

Há cinco semanas eu não ligo o rádio do carro, sigo em riste, mão no volante, olhos vidrados no trânsito, seu rosto clicando em flashes na minha frente, eu ainda sonhando – sou muito mais pensar em você. Sei cada detalhe dos seus detalhes, quantos fios tem o teu cabelo, quantos cílios moram nos teus olhos, quantos pelos vivem na sua sobrancelha. Sei cada imperfeição dos seus dentes, cada riacho que corre nas mil linhas da tua boca, e cada sua montanha, onda, penhasco – e não sei nem nada ainda, nem comecei.

Eu sei bem também das nossas diferenças desde daquela segunda tarde, não só o que você me contou, que já bateu, já doeu, já não doeu, e se dissolveu na relevância do que realmente importa, mas sei também do que mora além das palavras, no nosso silêncio, as coisas que não precisam ser ditas para serem notadas. Sei do mundo que te escolheu e do que você escolheu para si, desse abismo entre nossas ambições. Você diz para não pensarmos sobre isso enquanto põe o tema sobre a mesa de jantar, você diz para vivermos no presente enquanto quem questiona o nosso longo prazo são essas sinapses dentro da sua cabeça grande, você diz que não quer viver a mesma história enquanto ensaia a mesma discussão antiga com uma mulher nova, as vezes parece que você fica se convencendo que é de menos para nós dois, e sem perceber, deu para tentar me convencer. Para vai. Por Favor. Para tudo. Eu sei de tudo isso, claro que sei, sei de tudo tanto e nada tanto importa.

Eu te escolho além das nossas escolhas, escolho por que você me faz feliz, porque você me acolhe, e me faz ser mais terna, mais calma, é tão doce isso tudo que me faz querer compartilhar meu dia a dia contigo, minha vida, até minha comida! E bem na mentalidade do drogado “só por hoje”, deixa o futuro pros adivinhos e me faz feliz só essa manhã, só essa tarde, só essa noite e a gente vai assim, dia após dia, escolhendo um ao outro para o resto dos dias. O resto é resto.



Thursday, February 13, 2014

Surpresa


Dos pés à cabeça, veio surpresa. Diz ele que já sabia, já me via, andando pela areia, por aí, de passagem na paisagem, amiga de não sem quem, acompanhada ou sem ninguém... vi nada disso não, vi foi num fim de tarde para lá de amarelado, muito do nada, um homi todo todo, cheio de si, que numa audácia sem noção do olho do furacão, meteu o bedelho meu olhar à dentro, atravessando íris, retina e o escambal, e invadiu espaço privado sem ser chamado. Deixou foi pulga atrás da orelha, Deu nem três horas e já tinha devassado minha rede, adentrou fotos, presente, passado, até mensagem ousou com intimidade de conhecido antigo - a pulga só cresceu. Semana mais tarde apareceu puro sorriso em beira de praia, se abriu num fôlego desatado seus todos e cada porém, discorreu teses cientificas, questões filosóficas e urológicas, sorriu, suou, até de cromossomo falou, eu ali tonta com tanto. Se jogou no mar quando o sol já se ia e voltou num abraço tão apertado que toda minha defesa quebrou em cacos no encontro com seus braços, eu, ainda zonza, entreguei as pontas, e dali perdi a conta de onde isso vai dar. Deixa estar.