Em minha mão, te despedaço. Antes do tamanho do meu corpo, agora uma ínfima pedrinha craquelada, seca, te desfaço em poeira entre meus dedos. Nunca é bom despertar esse meu lado. Me descolo da ternura e visto armadura. Estraçalho sua força em grãos de areia, te espalho desentendido do que pelo foi acometido, achando que saia por cima, voltou por baixo, desconcertado com o próprio desatino. Detesto jogar porque sempre ganho. É chato para mim. No terreno do poder tenho ferramentas demais. Domino a arte da articulação emocional, controlo o leme do barco. Te rasgo no meio, viro do avesso e descarto o que sobra justo quando sentia em tuas mãos a rédea. É porque detesto deselegância, esse modo juvenil de se impressionar com o próprio reflexo na paixão do outro e se sentir superior. Nada sexy. Achar o outro menor por te desejar muito. Talvez tenha razão, o outro só pode estar louco, cego, bobo para te achar que vale tanto - o objetivo é não ser querido, aí sim faz sentido. Então te trato assim, como uma peça qualquer de um jogo vencido. De rei a peão no tabuleiro do desencontro. Te embaralho em minha mão e te descarto em uma solitária que minha vó me ensinou, e a vó dela ensinou para ela e que se houvesse mesmo Eva teria sido desde então, ou dos macacos mesmo que também regem seus bandos com jogos de poder. Bato o olhar e desvendo até o fim a coreografia das suas cartas. E é sempre a mesma coisa, basta eu montar meu xeque-mate pro outro se deparar com a rota que escolheu. Tarde demais. O vaso se quebrou em mil cacos, as flores se despedaçaram pelo chão. Pego a pétala mais linda que restou inteira, a olho com atenção, a mastigo entre meus dentes até engolir só o que espremi do teu bom, e cuspo seu bagaço na calçada violeta por onde meus pés pisam a caminho da feira.
Sunday, August 27, 2023
RABISCO
Sublinhei uma frase num livro e escrevi seu nome com sobrenome para ter certeza de em quem pensei quando primeiro a li. Já me despedia, prestes a começar a jornada do esquecimento, quando te engaveto no lugar do que atravessa e não fica. Me despeço precipitada do que se afasta. Sinto a distância se expandir e corro para o lado oposto passadas largas. Corto com a faca amolada das grandes escolhas seu gosto e ponho no pote do que se esvazia. Fecho a tampa sem permitir que suma por inteiro. Guardo em vidro grosso o que sobrou do encanto para que ele se reste assim na prateleira das memórias. Nunca gostei do amargo, então deixo que o doce sobreponha qualquer outra lembrança. Aquele último pedaço da sobremesa deixado no prato propositalmente para não findar de vez com a ternura que, por um instante, às vezes tão breve quanto uma mordida, senti na boca. Preservo em silêncio a imagem do que foi, como um retrato amarelo de um álbum com poucas fotos. Só floresço na reciproca. Deixo chover todas as gotas do seu rio e selo a fonte com cimento fino. Te deixo ir. Não pergunto. Não insisto. Apenas te assisto indo e me despeço, como que observando o brilho de uma estrela esvaecer até desaparecer por trás de uma única nuvem que escolhe aquele pedaço de céu para nublar primeiro, eu que botei ela ali para cegar tua imagem o quanto antes, para mantê-la sempre ainda como aquele primeiro sorriso, é ele que escolho guardar da gente.
PIXELS
Se soltou do abraço e atravessou o céu um bando. Desenhou um triângulo entre três continentes com sua rota pelas nuvens. Ela, lá no primeiro ponto do desenho, voando alto sem sair do lugar. Ainda assim pulsavam juntos um tambor que só bate dentro do peito. Dançavam um baile entre corpos longínquos, juntos mesmo de longe. Bastava fechar os olhos, mesmo de olhos abertos, para se abraçarem no escuro das memórias que se reinventam em retratos de um possível futuro. Lembrar era imaginar lembranças novas ainda nem se quer vividas e que, quiçá, jamais serão. Ainda assim, valia a pena sonhar. No fundo, era inevitável. Foi o que sobrou daquele breve grande enlace, a química que move mares internos sem painel de controle, apenas dois barcos que adentram o mar sem jamais precipitar que podem vir a desejar um porto em comum. E quem controla pensamento se não o afeto dos desejos?
Te vejo navegar por terras distantes. Assisto curiosa fragmentos de você por ondas de satélite que saem de mim até o céu, chegando em você, e vice versa – amor pixelado até o próximo abraço. Quando te penso ouço a frequência das ondas da nossa música tocando ao fundo em uma rádio que só nós ouvimos, músicas que ainda nem escutamos. Há sem dúvida uma longa distância, mas nem tanto entre os pensamentos.
Monday, August 14, 2023
Espanhol x2
Transbordava dois amores. Tomada por dois furacões em colapso, rodopiava com o rufar dos tambores internos, espalhada na vastidão do sentir, do transbordar o que vai além da escolha. Não ocupavam o mesmo espaço, habitavam diferentes cantos. Era paralelo. Mexiam com coisas distintas dentro dela. Entre a fúria do orgasmo e do sonho, do agora e do possível para depois, do que ia além. Se fosse pelo racional, sabia qual escolher, mas a química gritava pros dois lados. Se compartia em desejos inversos e tão semelhantes. No entanto não havia cabo de guerra, divisão, apenas duas paixões a atravessando como as listras de uma zebra, entrecortada por polos opostos. Um o avesso do outro e ainda assim com a língua em comum. Talvez a culpa fosse do espanhol.
De um lado o que estava ali e não estava, o sólido que escorre entre os dedos, arenoso, difícil de juntar na mão. Um homem gigante como um tronco, potente como um cavalo, volátil como um menino. Um sexo selvagem. Um encontro orgástico e cheio de poesia. Arriscado, indeciso, perigoso. Do outro lado um homem enorme por dentro e grande por fora, louco e maduro, sério e divertido, entusiasmado. Um sexo doce e cheio de sonho. De um lado o aqui complicado, do outro o mundo lá longe simples. Mas o longe é sempre mais simples do que o real.
O de lá não conheço os defeitos. Os daqui eu já conheço alguns. E os meus?
Deixa o Santiago ir embora. Empurra ele para longe do peito. Armadilha do caminho, repetição. Já morei nesse lugar. Já conheço esse homem. Esse pacote da salvação. Do carregar nas cotas e jogar para frente o outro enquanto ralento meu passo, saio do trilho e me perco no outro ao invés de me encontrar mais ainda em mim. Acalma esse coração, essa fome do mesmo, quantos meninos eu preciso para saciar minha fome adolescente do bonito. Da conquista. Da revanche. Da vingança do meu ego de menina feia. Vira adulta. Busca outro belo no outro. Me deixar ser comovida pelo que me transforma e não por como transformo o outro. Corre. Dá um salto largo e pula o muro para terreno fértil. Quero voar ou quero afundar?
Visita
Seu sorriso do outro lado da porta. Um beijo. Um beijo que se estica e a gente brinca de pular a corda do tempo num desenrolar do entrelace dos corpos. Cabem mil horas no nosso breve. Sua superfície se adere a minha pele, acende fogueira e derrete o entorno. A gente se despede. Ouço o ecoar do seu riso. A música continua tocando.
50 Maravilhas
1. Sua cara de adolescente abrindo a porta aqui de casa
2. Seu olhar castanho me atravessando
3. Seu sorriso de dentes longos
4. O som do seu riso arrastado
5. Seu cheiro hispano-caucasiano misturado com perfume
6. Seu beijo sem pressa
7. Sua língua
8. Suas mãos
9. Suas unhas cortadas
10. Seus dedos me adentrando
11. Seu pau bonito me encarando
12. Seu expressão quando me adentra
13. Você mergulhado no meu molhado
14. As coisas que você diz dentro de mim
15. Te olhar enquanto a gente transa
16. Seu toque
17. Seu peso
18. Nosso encaixe
19. Seu corpo tremendo no gozo
20. Seu gozo quente invadindo minha boca
21. Seu gosto
22. Ficar abraçada com seu corpo nu trocando histórias
23. Suas pintas que formam constelação
24. Seu jeito de levantar as sobrancelhas quando enfatiza o que diz
25. Seus países e línguas
26. Seus voos
27. Você falando espanhol
28. O som da sua voz em cada língua
29. A música que toca quando te vejo
30. A musica que toca quando você vai embora
31. Imaginar você dançando comigo bêbado, livre, feliz
32. Transbordar você em poesia escrita
33. Ver seu nome no meu telefone
34. A primeira vez que te vi saindo do taxi
35. Você arrumado para me encontrar
36. Medir seus detalhes do outro lado da mesa
37. Seu gosto por comida
38. Seus pés brancos e semi-chatos
39. Seu tamanho
40. Sua doçura
41. Sua loucura
42. Seu entusiasmo
43. Seu abraço apertado
44. O gigante que eu vejo por trás da sua humildade
45. Seu jeito de ser pai
46. Seu jeito de falar o que sente
47. Suas declarações de encantamento
48. Estar com você
49. Nossa troca
50. Nosso encontro
Feliz 50º aniversário
Wednesday, August 09, 2023
À GOSTO
Vi de relance, à deriva em suas mãos, reparei de canto de olho que somam umas duzentas e cinquenta e sete pintas espalhadas pela vastidão do seu império alvo, branco como a hora mais clara. Não deu tempo de desvendar. Te vi inteiro querendo ver mais. Te olhei lá no fundo, algo sorriu dentro da gente. Me entreguei aos seu braços, mergulhei em seu peito quente, seu abraço envelope do meu corpo. Senti seu peso sobre o meu transbordando um pouco de você em mim, sua nudez atravessando a minha, nossas texturas se misturando. Fecho os olhos e sinto seu cabelo, sua pele, seu riso, sua boca, seu pau bonito, é lindo mesmo. Seu cheiro ainda tá em tudo.