Friday, March 24, 2006

Sindrome de Tieta

Andava insegura ultimamente, tensa com a aquela estória de voltar à pátria depois de tantos anos depois de tudo que passou e mais ainda, de o quanto mudou. Ficava meio incerta com a exposição a crítica alheia. Não esquecia as referências de sua amiga à sindrome de Tieta. A verdade é que a pessoa que partiu sem saber 3 anos atrás não existia mais.

Pensava em suas melhores amigas, seu pai, seus irmãos e uma sensação de estrangeiro invadia; pensava em todas as expectativas dos que não a viam há tanto tempo e as vezes chegava a pensar que não queria mais ir não; Pensava em não dar na vista se se assustasse com o envelhecimento físico do pai, em não transparecer que se sentia sozinha e insegura no seu mundo novo e que o tal do sucesso ainda estava para lá de longe de ser alcançado.

Queria muito caber no mundo que cada um achava que ela vivia, queria muito ser a pessoa que merecia, mas a verdade é que os tais dos últimos 3 anos foram inicialmente feitos de inconsequência e mais tarde, como consequência, muito sufoco. Vivia de rotina e solidão, sabia que o caminho que escolhera era construído com pedrugulhos, e essa fora de certa forma o motivo da escolha de mudar pr o mundo à fora.

As vezes, quando uma certa melancolia batia na porta dos fundos, alimentava lembranças saudosistas da bolha em que antes vivia, de seu mundo perfeito que deixara para trás. Lembrava-se das grandes e lindas amigas, da faculdade caríssima, do carro do ano, das roupinhas de marca, das noitadas absurdas com grandes amigos, de tudo que seu mundo havia lhe proporcionado, e que por ter sempre sido assim, nunca percebera o valor. Lembrava-se de suas certezas: formada aos 24, carreira perfeita aos 26, filhos com 28, rica aos 30 e poucos, sempre soubera que esse era seu futuro, e certamente teria sido se não tivesse decidido mudar tudo.

A decisão de mudança veio em etapas, dos 15 dias fora resolveu que seis meses fariam mais sentido, queria "dominar a língua"; de paixão em paixão fazia cada vez mais sentido ficar. Em torno do segundo ano se viu solteira, sozinha, sem vínculos e resolveu que essa era deixa para correr atrás das próprias conquistas, para deixar para traz a segurança do berço e infrentar os gringos de cara dura, resolveu suceder sem saber como, mas mais do que tudo, resolveu alcançar tudo que antes tivera tão inato agora através de suas próprias mãos e haja doze trabalhos de Hércules no caminho.

Faziam agora mais de três anos de luta, de uma batalha com si própria e com as certezas sobre si mesma. Três anos de estranhamento, de choque cultural, de adaptação com tudo, três anos de procura por seu lugar numa terra tão desconhecida para ela, de procura pelas amizades certas e um baita de um fechamento à amizades erradas; três anos se conhecendo e se desafiando tanto que as vezes esquecia de que estava cansada.

Pensava em voltar, mas logo se tolhia, cortava os bracinhos da plantinha a crescer na tentiva de fazê-la mais forte. Se olhava no espelho e falava alto que só voltava com terreno conquistado, que sua cruzada era imprescindível e que seria inaceitável voltar por cansaço e sem os tais botões dourados na lapela.

Agora, dez dias antes da visita começara a ter pesadelos, não vinha dormindo direito desde que comprara a passagem, acordava em torno das 3, 4 da manhã e não voltava a dormir por horas, olhava para o namorado ao lado em seu sono quase infantil de tão pacífico e se sentia mais tensa ainda com a ignorância alheia, a essa altura do campeonato como é que alguém podia dormir tão bem? Era só ela que se assombrava com seus próprios dramas a ponto de gerar insônia?

Não tinha saída, o jeito era aproveitar as 24 horas de cada dia até que as fatídicas 18 horas de vôo chegassem, e dali em diante o futuro tava mais para cenas do próximo capítulo...