Tuesday, August 01, 2023

IMPERFEITO

Um parágrafo do seu discurso, perdido em meio a nossa troca, se assentou em meu peito e me olhou nos olhos. Você se disse solitário, sozinho em outro país, com altos e baixos, e que às vezes, mergulhado em tristeza, tende a se fechar em si. Confesso que sorri, ouvi ali a toada do sino das coisas belas, do que é teu e vai além do que eu conheço. Ouvi o vestígio da sua vulnerabilidade e te imaginei muito mais do que já sei. Te vi mais humano do que nunca. Até então via um ultramaratonista da vida, cheio de disposição, com mil afazeres, de um lado pro outro, sem jamais reclamar ou destrinchar algum sentimento senão o de ir para frente. E de repente vejo uma fresta do que está além da superfície, justo eu que gosto de mergulhar fundo pelos corais densos e de tantas cores intensas que moram na profundeza de cada um. Uma manhã te perguntei seus defeitos e você não quis me dizer nenhum. Também disse que gosta de imperfeições, talvez eu mais ainda. Ouvi esse vestígio de uma dor já passada, amenizada e quis ver mais perto, escutar seu silêncio e te deitar no colo, acariciar seus cabelos, te deixar sentir o que te assola e estar ali, para trocar tudo sem precisar de muito. Para te assistir ser mais você e poder ser um pouquinho mais eu. Me pergunto o que passa em seu peito, seus anseios, suas dores, o que te comove e o que te tormenta, o que te emociona e o que te machuca. Gosto dessa camada. Sou boa com os percalços do caminho, gosto das dores e tenho vocação pro acolhimento, mais ainda para transformação. Então confesso que fiquei feliz de saber que algo dói, algo anseia, algo se contorce também em você. E o tempo pode estar ao nosso lado. Quem sabe um dia você me conta mais.