Monday, August 28, 2023

Xadrez

Em minha mão, te despedaço. Antes do tamanho do meu corpo, agora uma ínfima pedrinha craquelada, seca, te desfaço em poeira entre meus dedos. Nunca é bom despertar esse meu lado. Me descolo da ternura e visto armadura. Estraçalho sua força em grãos de areia, te espalho desentendido do que pelo foi acometido, achando que saia por cima, voltou por baixo, desconcertado com o próprio desatino. Detesto jogar porque sempre ganho. É chato para mim. No terreno do poder tenho ferramentas demais. Domino a arte da articulação emocional, controlo o leme do barco. Te rasgo no meio, viro do avesso e descarto o que sobra justo quando sentia em tuas mãos a rédea. É porque detesto deselegância, esse modo juvenil de se impressionar com o próprio reflexo na paixão do outro e se sentir superior. Nada sexy. Achar o outro menor por te desejar muito. Talvez tenha razão, o outro só pode estar louco, cego, bobo para te achar que vale tanto - o objetivo é não ser querido, aí sim faz sentido. Então te trato assim, como uma peça qualquer de um jogo vencido. De rei a peão no tabuleiro do desencontro. Te embaralho em minha mão e te descarto em uma solitária que minha vó me ensinou, e a vó dela ensinou para ela e que se houvesse mesmo Eva teria sido desde então, ou dos macacos mesmo que também regem seus bandos com jogos de poder. Bato o olhar e desvendo até o fim a coreografia das suas cartas. E é sempre a mesma coisa, basta eu montar meu xeque-mate pro outro se deparar com a rota que escolheu. Tarde demais. O vaso se quebrou em mil cacos, as flores se despedaçaram pelo chão. Pego a pétala mais linda que restou inteira, a olho com atenção, a mastigo entre meus dentes até engolir só o que espremi do teu bom, e cuspo seu bagaço na calçada violeta por onde meus pés pisam a caminho da feira.