Sunday, September 03, 2023

Sobre o Encanto

          Ando ouvindo a mesma queixa, encontros que se dissolvem no trivial. Mulheres que sofrem com uma repentina quebra de decoro, uma desconexão sem aviso prévio e um consequente apego pelo que já não é mais. Confesso que não me identifico com o apego, mas entendo a frustração. É que o desinteresse do outro pulveriza o meu interesse no ato. Se o outro se desconecta, meu desejo perde o sentido. O estímulo estimula – só floresço na reciprocidade.

         O encontro se dá na comoção, essa correlação que vivemos com as pessoas que interagimos, seja amigo, ficante, romance, namoro, se relacionar com o outro é se co-mover. E se comover demanda integridade na entrega, honrar o que é despertado na gente sem medo de se mostrar por inteiro. É na vulnerabilidade que o mergulho se aprofunda. “Ah, mas tenho medo de sofrer...” então morre, encurta logo a possibilidade da dor matando o risco de ser feliz. “Tô me envolvendo demais, melhor me proteger...” Boa, fica aí no cinza e me diz se dói menos a longo prazo.

         Esquece essa história de futuro, mera rede de suposições das neuroses. Não importa onde as coisas darão, mesmo porque a gente nunca sabe de fato, mas se a gente rege o presente focado no resultado, mais ainda no medo dele, e mede cada ato para ganhar num jogo de força de quem está por cima ou por baixo, sobra um jogo de egos e não de amor. O jogo mata a espontaneidade da troca. Não é sobre expectativa, é sobre o modo de se entregar ao que nos encanta. E se encantar é se arriscar, é ir além do que a gente controla. E se o sofrimento é proporcional à felicidade vivida, os dois andam de mãos dadas com a abundância do sentir – quem não sofre não foi feliz, não se comoveu, não viveu, mesmo porque viver sem encanto é sobreviver, é caminhar pelo mundo alcançando metas, dando conta do trivial e se protegendo justo do que faz brilhar os olhos. 

         Não me venha tornar o encontro ordinário que eu corro pro outro lado. Ao menor sinal de jogo ou desinteresse, meu encanto esvazia seu balão e fecho a tampa de um tabuleiro com peças marcadas demais, porque o extraordinário nada mais é do que botar uma lupa sobre a beleza das coisas e deixar que elas transbordem seu brilho: pode ser uma olhada pro céu ou um beijo na boca. Inclusive, falando em beijo na boca, o que é o encontro sexual se não um baita avatar. Essa conexão de línguas, de penetrações íntimas, em que um talo conecta no outro e as energias se misturam em uma só vibração circular de tesão. Beijar não é trivial, transar então é pura conexão. 

         Então, amiguinhos que sofrem com o desencanto alheio, bola para frente que atrás vem gente. Se alguém te deixa ir, vá sem olhar para trás; se alguém te trata trivialmente, busca em você o extraordinário; se alguém te desmerece do nada, se mereça. Mesmo porque esse apego pós rejeição é mais ligado ao ego do que ao querer. Será que o que te sobrou foi amor ou insegurança? Será que vale a pena viver qualquer relação, ou se manter com alguém que te trata com migalhas e que ocupa o espaço de um potencial encontro incrível, só pelo medo da rejeição? Será que quando um parceiro joga fora algo que ele dizia brilhar, não fica mais evidente a covardia dele do que a dúvida sobre seu próprio valor?

         Os amores passam, a gente fica. Não acredito no para sempre, entro nos amores tomada pela força da infinitude, mas ligada na possibilidade de um eventual fim, e acho que cada encontro tem seu tempo mesmo, alguns meses, outros anos, alguns dias, e nem por isso são menores. Seja do tamanho que for, jamais vou me proteger de me encantar. E sei que passarão eventualmente – poucos são os sortudos que vivem um amor feliz até o fim da vida – mas para mim o tempo que o amor morar em mim tá valendo, e quando ele passar, vai doer, mas outros virão.