Tuesday, September 05, 2023

TEMPERANÇA

Você se move lento, às vezes até o olhar fica com preguiça de se abrir por inteiro. Disse que é timidez, quiçá uma idade antiga que permeia sua juventude. Já eu olho e acho que é seu jeito de se proteger da dor, de olhar pro terror com a isenção de quem se defende, a tal calma que você mencionou quando o mundo se despedaça e você é tomado por temperança. Você que lida com o desespero no dia a dia e entra em cena para resolver o trágico, se educou a ser forte. Mas se proteger da dor é também se proteger do encanto. Você é a solução do outro, no mínimo a opção mais sensata. Qual é a sua solução para si?

 

Disse ainda que não se apaixona faz tempo, mais de década, cercado de um mundo sem brilho em que o olhar atravessa sem mergulhar no profundo. Ah, a temperança... Fiquei ali te ouvindo, encarando sua tristeza dentre sorrisos e perguntas. Te vi inteiro na melancolia que mora em seu olhar – você disse que vem de ter poucos amigos, da solidão, e eu que amo a solidão, convivo com ela desde sempre e a defendo com unhas e dentes, ainda assim não conheço tanto a constância da tristeza, e sim o mergulho no profundo a que ela me leva e que depois me quica de volta pro mundo mais forte e disposta ainda. Então tendo a achar que é mais sobre uma lente pras escolhas do que sobre ser solitário. E pensa bem sobre suas escolhas. O que te moveu até aqui foi tudo além da comoção, e digo no sentido exato de comover, correlacionar, de ser impactado pelo encontro, pelo encanto, e de se transformar através do que te revira do avesso? Você não escolheu avessos, você escolheu um trilho, botou seu trem sobre ele e foi tocando para frente, conquistando parada por parada um troféu atrás do outro, agora descobriu que não é o bastante. Não bastam as vidas salvas, as férias, as conquistas, os one night stands. Não basta. Algo te falta. Seu olhar grita pela força do que vai além do controle, pelo brilho que tilinta para além de qualquer escuro. É que o preço da frieza é o frio. Há a temperança.

 

E talvez, arrisco aqui dizer, que o caminho seja se jogar no que você não domina, no que te assusta, no que te tira do trilho, da segurança das suas tantas habilidades adquiridas. Talvez seja sobre ter menos a rédea em suas mãos, e “indomar” seu leão, ou escorpião, sei lá. Mas se jogar sem saber onde isso vai dar, se arriscar a errar, a perder, a se estraçalhar para se descobrir mais inteiro do que nunca, porque cada vez que a gente se racha em mil, a gente descobre de quais pedaços somos feitos. Quanto mais me quebro, mais segura fico do que sou, e mais pronta para me quebrar de novo por saber que nunca me perco de mim, pelo contrário, me construo cada vez um pouquinho mais. 

 

Talvez se perdendo um pouco de si, você se encontre mais do que nunca. Mas quem sou eu para saber... Meras impressões de um breve encontro.