Tuesday, June 24, 2014

Vida de Set


Sentei no carro com um sorriso na boca, o dia tinha passado corrido mas sem pressa, fazia tempo que eu não lembrava de prazer desses. Sol nem raiado ainda e já ia eu, à beira de mais uma tarde, mais uma noite, mais um dia de trabalho. Hoje quando eu sai do set e sentei no carro com um sorriso na boca lembrei do meu primeiro dia, na verdade madrugada, dirigindo insegura pro trabalho novo, atravessando o imponente portão dourado, recebendo minha primeira credencial a caminho de uma cidade cenográfica, e me deslumbrando com um mundo ainda no escuro, pouco a pouco revelado, o dia amanhecendo, a luz batendo nas janelas de vidro dos prédios falsos, NY Street backlot se revelando aos meus pés, eu ali, em pleno Paramount Studios, toda a grandiosidade de estrelas hollywoodianas voando pela minha cabeça, Gene Kelly, Rita Hayworth, Greta Garbo passando em filmetes num meu sonho acordada, eu estava ali, aquela era eu. Era eu, e vastas memórias de desejos debruçaram sem rédea pela minha caixola, as minhas primeiras histórias ainda ditadas antes de saber escrever, a graça plena dos tantos anos no palco, a vontade involuntária de escrever poesia, conto, peça, roteiro, livro, escrever qualquer coisa, de viver histórias muitas vezes só para gerar escrita. Era eu ali, ainda de assistente de produção, aprendendo tudo na chibatada mas com excelência, carregando lixo cantando “She’s a Maniac” porque mama sempre falou para fazer da merda adubo. Primeira lição: nunca ande devagar no set! Sempre seja a primeira a responder o rádio! Faça antes de pedirem! Corra lôra, corra! Go, go, go!!! E eu ali com minha fome de imigrante, perrengue já ficando pro passado, tendo tão pouco e querendo tudo. Eu ali de olhinhos ávidos, brilhando, absorvendo cada passo, cada marca de cena, cada tom de voz, cada lente, cada técnica, cada jeito de contar história. Eu ali de assistente de direção achando que tinha que me formar fazendo, sendo maquinista, loader, set dresser, tudo e qualquer coisa para saber mais, eu quero mais, o mundo se abriu pros meus pés! Hoje quando entrei no carro com um sorriso na boca lembrei que o tempo passou e olha onde eu fui parar, num mundo de histórias contadas em imagens, com estrutura de profissa e possibilidades mil, que trabalho é muito mais do que o que paga nossas contas, e sim, no mundo ideal, uma extensão do que a gente é. E o melhor de tudo –ainda pagam a gente para fazer isso. Hoje entrei no carro com um sorriso na boca e lembrei do quanto eu amo o que eu faço.