Tuesday, June 10, 2014

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Hoje faz trinta e seis anos. Ainda lembro do primeiro banho de rio no braço, jogando a boinha vermelha de cima da ponte e mergulhando ao léu em água doce com meu pai, eu nadava esbaforida e ele andava para trás, “vem vem vem” falava, eu tentava ansiosa, afoita pelo abraço. Lembro da primeira lembrança de tato, peito no peito de mãe nua, quente, textura só sua, coração batendo com o meu, sol banhando nós duas. Lembro do sorriso dela do alto da escada de madeira da primeira casa de Santa, das óperas e Piaf ecoando no seu tom pela sala do Raposão, de ser criança sempre de mão dada com meu irmão que me olhava com ternura e me cuidava feito homenzinho desde pequenininho, Bruninho sempre me protegeu. lembro das histórias contadas no escuro em que mama dormia primeiro e enrolava os nomes, fatos, lugares e a gente ria pedindo por mais enquanto ela sonhava em voz alta. Lembro do Ed cantando cantiga nada tranquila e me embalando a jato em sono leve, nunca fui de dormir bem, desde bebê, na ânsia de sair nasci em vinte minutos e ainda hoje sinto essa pressa, essa fome de mundo, de manhãs cedo, madrugadas varadas, tardes longas, noites muitas noites, nunca soube escolher entre a noite e o dia. Lembro também das histórias contadas, do meu um ano e meio regado a ovo cru, quando achada em galinheiro quebrando um a um na boca com sorriso, “égua, diaba lôra...” meu pai já dizia, mais tarde precisei do limite de quatro gemas por dia, se deixasse comia dez – sempre fui das quantidades, doze mangas seguidas, quarenta figos por tarde, sacos inteiros de pão, potes de requeijão, e pudim que eu fazia escondido em meio à mundo integral e comia inteiro de uma vez só para não ser descoberta. Lembro dos meses afora pelo nordeste com Bruninho, Ed e seu mundo de adultos, crianças, agregados e namoradas mil, nós mini moglis, desvendando cachoeiras e dunas de itaúnas, quilômetros a pé em praias sem fim, histórias de cidades tomadas por areia, cobras que comem homem inteiro, lendas antigas sem bicho papão, nunca dei bola para medo. Lembro do Ed falando “te criei pro mundo, jacaré” e da mama e sua voz quase rouca dizendo “que abundância é viver” toda vez que eu caia das nuvens, sempre gostei das nuvens, sempre aumentei as histórias e fiz escolhas mais fantásticas do que reais, mas me joguei de fato cedo no mundo e descobri vastidão em meu peito. Precisei ir para longe para entender que o que quero está muito mais perto do que qualquer distância, cabe dentro de um metro e cinquenta e quatro e meio e mora em cada segredo e vontade que nutro, das tripas coração. Trinta e seis anos e cada ano descubro que o que o que vale é abrir o peito pro mundo e mergulhar até o fundo, só o que vale é coragem, sempre sobra ar, sempre tem saída, sempre vai dar certo, “e andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar.” 

“...mundo mundo vasto mundo, mais vasto é o meu coração”
Drummond