Thursday, July 02, 2020

Leme

Na verdade, havia escrito mais uma poesia quando as cores quentes entornaram as frias e tudo que vi foi arco-íris em caleidoscópio. Por um momento, viajei com a gente para outro lugar, vi em seus olhos o caminho para um templo antigo onde tudo é raro e nada cabe em palavras. Ali onde o que adentra vira verso, achei terra fértil para torrente lúdica dessa arte silenciosa. E sei que tendo a exagerar, a aumentar as medidas do que sinto em busca das essências. Posso florear um longa onde existe um curta – completo os espaços vazios com dramaturgia, deixo a fantasia ir até o império dos sonhos e bebo dessa fonte para transbordar. Alimento a potência dos potenciais, mas que por conceito ainda não se deram e, quiçá, jamais se darão. É que demanda rega mútua, o homem molha a planta que molha o homem e se um não molhar o outro, algo definha. Então vez em quando mergulho de cabeça em poça para colher trama e chego só até onde dá. 

E se o artista não passa de um exagerado que destrincha o todo em detalhes, sempre em busca do atravessamento? E se ele for um vaidoso que quando não se sente visto, desconecta o cabo da força em busca de uma nova tomada? Posso menosprezar toda minha inspiração, mas sei no fundo do peito que por um momento o que senti foi real. Assisti em seu núcleo a força de um encontro que atravessou a cerca do que eu tinha me proposto. Não te busquei com segundas intenções, tinha uma curiosidade enorme sem maiores pretensões. Foi confuso, fui confusa. Entrei nessa de ser a amiga que sei tão bem ser, e depois ficou difícil te expor à mudança de status interna que se deu em mim. 

E talvez tenha sido a poesia que tornou tudo mais difícil ainda, porque ao assistir ao que se deu quando bastou fechar os olhos para te ver tão bem e depois a ressonância de uma troca com possibilidade de transborde profundo, senti a porteira sendo aberta para minhas vaquinhas felizes saírem do curral aos pulos. 

Achei que fosse ser um encontro criativo e só, mas meu romantismo pulou o muro da amizade e coloriu seu desenho. Vi em você o muso de tantos possíveis poemas, considerei até que um encontro platônico pudesse gerar mais matéria de criação, mas nunca fui das que se descolam demais da realidade e mitificam o outro. Minha fantasia anda de mãos dadas com o quanto posso torná-la real. Aprendi cedo o bom senso de não investir energia sem retorno, sempre fui boa em me adaptar ao desencontro. 

Então te escrevo isso tudo porque gosto de expor claramente o que sinto antes de reajustar meu leme. Acredito na integridade da troca dos sentimentos mais puros e delicados, mesmo se a recíproca não bater, porque não tenho nada mais senão tudo o que sinto, e isso é bonito para caramba independente do que passa dentro do outro. Honro aqui a beleza do que você despertou, agradecendo cada segundo do que trocamos e disposta a respeitar o limite das cercas. 


Te mando abaixo a segunda poesia, que gerou essa aqui, a terceira, que aliás não é exatamente uma poesia, é mais uma elucidação, mas enfim, compartilho contigo porque é o sumo do suco que espremi da gente.

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