Tuesday, July 07, 2020

Jeito Assim

O dia tem se anunciado sem alarme quando a mente se satisfaz de sonho. Agora a lua já se esvazia e meu peito se enche do simples. Tenho precisado de pouco para sentir muito, ando vendo o extra no ordinário. Um som, uma planta, uma revoada de cortina me comove. Hoje despertei com os pássaros e subi nos pedais do dia rumo ao azul do mar invadida de amarelo, o vento dançando meus cabelos. Me encontrei com a pedra do Leme e mandei um Saravá para Clarice e seu cachorro como de costume enquanto assisti a luz batendo na pele da pedra e a umidade refletindo seu verde e prata. Movi as pernas em cadência contra um leve sudoeste me divertindo com o impulso contínuo do corpo em movimento cada vez mais acelerado. Gosto de correr sem pressa, pedalo o mais rápido possível e plano dentre nuvens esparsas até que chego a mais um destino – e de todos os mares da orla, no do Diabo sou mais eu. Ali onde o vento faz a curva e a força de um forte se encontra com a energia de todos os santos de tantas baleias e peixes grandes arpoados em sua esquina, ali onde o sol rasga o dia no céu e a lua esbanja todo seu vermelho na vista vasta das montanhas de Niterói, sinto as correntes abarcando meu corpo e minhas marés se revirando enquanto fluo com a água. 

Hoje caí sozinha em mar calmo, microwaves me ralando contra a areia da beira e eu entornando meu feliz. Três gaivotas namoravam a brisa enquanto uma tartaruga solitária seguia seu caminho com rumo e sem pressa. Um casal preto reluzia todo seu brilho na pedra, era bonito de ver. Um nadador atravessava com braçadas largas a estrada do mar enquanto os minutos se esticavam e meu corpo boiando. No céu vi a teia do invisível, assisti calada ao que vai além dos olhos, observei a trama de dimensões etéreo universais transcendendo em ondas eletromagnéticas o tecido da via láctea em meio à nossa galáxia em um só corpo quântico respirando com os pulmões do universo. Ouvi o sussurro da teoria das cordas desenhando sua matemática abstrata bem em frente aos meus olhos e fui tomada pela consciência da conectividade dos estados para além da existência física, onde o corpo fenece mas o espírito atravessa o plano da matéria sólida. Subi na minha bicicleta me sentindo pedaço de um inteiro e o peito transbordando cosmos. Sei da pequeneza de meu tamanho e ainda assim me sinto grande. Tenho questionado a norma, duvidado da forma e deixado que meu jeito seja do jeito que é, e talvez seja estranho, incomode, não pode, sigo seguindo do meu jeito assim.