Monday, June 29, 2020

Chamado

A chuva cai mais lenta, o tempo para, a poeira suspende e o ar se ralenta em seu dissipar, até mesmo o vento abranda seu furor e se esvaece em brisa. Se os pássaros ouvissem sua voz, cantariam em cadência um assovio baixo para não interferir com a integridade de seu som. Se tudo fosse som, seria rio que corre lento à contragosto do tempo e ainda assim no fluxo raro do sobrenatural, córrego que escapole da norma e entorna fantasia em seus tantos jardins do Éden. E se o Éden for isso, tão mais simples do que o surreal, e se o Éden for essa magia que nos toca nos momentos do transe mais íntimo, onde tudo se alinha, entra em simbiose, partículas quânticas de uma mesma célula gigante e transmutável se abraçam e a roda gira mais forte? E se o Éden não for mais do que a sua boca encostar lentamente na minha, sem pressa nem hora para desvendar os tantos segredos do baú antigo de tesouros esquecidos ou escondidos por tempo demais? E se tudo convergir nisso, em dois dedos que se tocam, duas mãos que ao sentir a textura quente do tato trocado, descobrem montanhas e desfiladeiros nunca tão bem desvendados no mistério dos corpos que carregam tais mãos. E se em meio aos seus braços, à deriva em seu abraço, você ali gigante de tão pequeno império, eu descubra junto contigo que nada mais faz tanto sentido se não a combustão? E se? Escrevi isso agora e um vento tufão cruzou cortina sala à dentro, suas correntes dançando com o voal branco, bailarina do sopro, e eu lembrando que você diz que os sinais vem de tudo que é canto. Agora o vento parou e os pássaros voltaram a cantar esperando seu coro. Eu canto junto aqui em silêncio canções antigas para história nova. Faço adaptações das tantas poesias para caber na nossa. Você não viu os tantos verdes das árvores daqui da praça hoje. Fui para cama com seu rosto no travesseiro dentro da tela do celular e acho que sonhei nuvem contigo. Agora sem barba, vejo mais ainda o que já via antes e acho bonito para caramba. E não sei se vejo pouco ou vejo até demais para quem pouco sabe e tão bonito sente. Então te conto um segredo, ouvi você me chamando. Ouvi ali em pé na sala branca da cobertura do amigo a toada interna dos grandes encontros ao olhar para a águia que voava da sua mão. Adentrei seu caderno e não saí a mesma. E o tempo passou sem eu entender direito o chamado mudo que volta e meia ecoava seu nome no meu escuro, uma presença em energia que tomava meu espaço físico e te reverberava. De onde vem isso, gente? Me perguntei um bando e achei que não valia querer responder, era do condado das coisas que vão além de serem entendidas. E assim, volta e meia você vinha no meu silêncio e dizia, “me procura.” Eu acatei. Confesso que não tinha entendido muito esse impulso magnético até esse domingo, quando depois de tanto, você se foi. Dormi confusa e acordei mexida. Senti minhas células sendo tomadas em onda por essa força do que faz sentido, como se eu soubesse, antes mesmo de entender, que precisava fazer com que a gente se encontrasse. E tudo pode ser tudo e também qualquer outra coisa se não o que achamos, tudo já é alguma coisa porque até aqui já foi muito e só transbordou o bom. Então ficam os “e se”, as dúvidas sobre o Éden e algumas tantas cositas más. Seguimos desvendando sem pressa nem plano os infindáveis enigmas do encontro.