Thursday, September 06, 2018

Botafogo

Chovia fino em Botafogo no fim da consulta, eu não tinha pressa mas quis me molhar. Passantes se protegiam debaixo de marquises, jornais, echarpes e capuzes. Acima das cabeças andantes eu assistia uma dança de cores em formato de guarda-chuvas, redomas de mundo como um fone de ouvido que te separa do todo e forma bolha. Não queria bolha, sorria baixinho pensando no meu pai andando comigo de mão dada pelo Leblon debaixo de chuva sempre bradando “eu lá sou de açúcar.” Caminhava assistida pelos olhos secos de quem se protege. A chuva mal molhava, não era pingo grosso, mas a constância assustava quem não deixava que a gota contasse a secura que tinha. E passo a passo eu olhava os rostos que se deixavam ver, me encaminhava pro metrô pensando nos mundos dentro de cada um, cada sonho, cada anseio, cada escuridão que mora ali dentro e seguia meu caminho. E nas quintas-feiras vou para Botafogo de metrô sem telefone, headphone nem guarda-chuva, animada com essa crônica constante que é reparar em humanos em seu habitat. Você já olhou à fundo para quem cruza seu caminho?