Sunday, January 01, 2017

Costa Rica

No dia 28 de maio saí de uma filmagem direto para o aeroporto depois de um ano inteiro de set. Voei para a América Central sem poder imaginar que minha vida ia virar do avesso. Não planejei mudança nenhuma se não uma férias de tudo, especialmente de mim mesma, de um eu que eu estava cansada de aturar. Andava sobrecarregada, exausta, estressada, me sentindo oprimida pelos meus compromissos. Me vi sem tempo para mim, achando que me cuidar era ter minha unha feita, uma pedalada de bicicleta ou um consumismo tapa buraco - mas o buraco não enchia. Sentia uma angústia, o tempo passando em dias massacrados e noites mal dormidas, volta e meia vinha choro transbordado no fim do dia, vinha explosão desnecessária e não raro uma tormenta de pensamento negativo. Me senti envelhecida, cansada, achando que o caminho daqui em diante virara árduo e sistemático. E aí veio esse um mês aqui na Costa Rica que se estendeu em cinco e descobri um bando de coisa que precisava mudar.

Em agosto, em um hiato necessário, voltei para órbita carioca bem no meio da viagem justamente para ajustar as mudanças que a vida me ofereceu e eu abracei. Resolvi que não podia abandonar nada ao léu e sim remanejar com delicadeza as estruturas. Precisei reorganizar minhas prioridades para estarem mais de acordo com o caminho que eu venho descobrindo, mas cuidando de todos os laços sem deixar nada desatendido. Voltei mais do que tudo pra transformar, com todo carinho e cuidado, um grande amor em uma amizade para vida - mas isso é outra história.

Em outubro retornei para Costa Rica em busca desse eu melhor que encontrei aqui, vim disposta a destrinchar minhas angústias em possibilidades e alimentar essa frequência e suavidade.
Tive alguns percalços com a natureza aqui tão selvagem, não posso negar, fui picada por aranha, mijada por esquilo, queimada mil vezes por água-viva e atacada por cardume de sardinhas. Separei briga de cachorro, matei barata voadora, espantei formiga gigante tentando comer pedaço do meu pé e escapei até de escorpião. Nem sempre a natureza é gentil, mas quando é dá um bando de presente, teve arco-íris de cabo à rabo do céu, chuva dourada, plâncton brilhando no escuro, noite estrelada sem economia de estrela cadente. Teve raia preta com pintas brancas dando salto mortal bem do meu lado, tartaruga, baleia, e um milhão de rasantes de pelícanos performáticos. Teve gaivota esperando onda comigo e mergulhando fundo mar adentro, teve o canto de tantos pássaros, o silêncio das iguanas, o grunhido rouco dos macacos. Teve cachorro que me adotou e gato preto sem rabo que eu fiz carinho mesmo ressabiada, até amizade com carangueijo fiz, nunca imaginei, mas nada me põe em riste mais do que o mar - foi lá que descobri um bando de coisa e alguns segredos, é lá que todo meu caos se aquieta e entro em sintonia com suas correntes e minhas marés. É no mar que mergulho em mim, que silencio angústia onda abaixo e desafio cada fibra, cada célula.

Sou feita de oceano e barro, feita para viver com pé escorregando na lama e pisando em pedra, nadando a favor da corrente sem pressa para respirar. Mas tenho outro mundo também, mundo de grandes responsabilidades e pequenas decisões urgentes. Lá onde não tenho tempo de fazer xixi, pega mal, corro frenética de set em set entre frequências de rádio e diferentes canais. Tenho domingo de folga e às vezes um dia na semana, surrupio momentos matinais de esporte ao ar livre. Mas corri muito atrás do mundo que tenho, não perdi tempo, e não quero jamais correr atrás do tempo perdido. Sei o quanto quero viver. Tenho fome, estou ávida, quero abundância. E aqui onde viver é sonho, onde tudo fica tão simples apesar de acabar de escutar o mover de um corpo estranho entre a madeira do teto do meu quarto e o sapê, quiça uma iguana, um morcego, who knows, ouço seu rastejar mundo acima e não me incomoda, me acomodo, continuo aqui a pensar.

Daqui a uma semana, oito meses depois de ter saído pro mundo desavisada do quanto a minha cabeça ia girar, atravesso o portal, retorno do buraco de Alice e volta tudo ao normal. São doze anos em que busquei com muita gana aprender todas as técnicas de filmagem, de entender o conjunto como um todo e cada detalhe dos pormenores, de formar cabeça e desenvolver habilidades, de apurar o olhar e conquistar espaço e isso não se joga assim pela janela por uma sensação de liberdade. Há, hoje eu sei, um compromisso com as possibilidades. Entendo afinal a tal da história da responsabilidade consigo. Volto para o Rio consciente dos contratos que fiz e demandas a satisfazer, abraço a importância dos dois mundos em mim e nesse aspecto vejo que posso ter tudo, o melhor dos dois, dividir minha vida entre dois opostos extremos que tanto se complementam. Converso comigo hoje e entendo que há espaço para tudo, até meu avesso não averso. Sei que posso mais de mim, mais do meu bom, do meu melhor. Não quero sucesso, fama, nem status, quero qualidade de vida, e não em roupas nem trends da hora, mas digo em tempo, amizades verdadeiras, comida bem feita, solidão com foco, e inspiração para criar algo que gere caminho. Sei que preciso voltar, e volto justo por não querer abandonar o que conquistei, volto em janeiro para mais um projeto com o coração alinhado com o que construí, entendendo que minha carreira e trabalho são lindos também e quem sabe consigo aplicar um pouco dessa minha força suave, dessa minha nova leveza no stress diário das minhas demandas urbanas. Acho que foi isso que vim aprender aqui, a ter paz no caos, foco em meio à dispersão e serenidade para lidar com a vida de um lugar mais ameno para mim mesma. Vou tentar como posso. Acho que estou pronta. Bem lindo 2017