Thursday, April 05, 2018

Sete Blocos


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São sete quadras, talvez oito, é uma da manhã e eu quero andar para casa. O jantar acabou e as amigas vão de Uber, 99, Cabify, enquanto eu sinto mais do que tudo que preciso andar. É quinta-feira, a rua tá vazia, a noite tá escura, mas eu preciso andar. Odeio andar, peguei trauma na infância quando andávamos doze quilômetros de praia só de ida cruzando estados com meu pai, sua tchurma e uma cambada de filhos de tropicalistas desvairados. Exauri toda a cota de caminhada de uma vida já ali, antes de oito anos de idade. Mas hoje preciso andar sete, oito, talvez nove blocos que minhas pernas pedem e mais ainda minha cabeça. Passo logo por um bar com um grupo de playboys olhando a passante, uivos e assobios vão se afastando na medida que sigo. Quatro bichas animados bebem vodka no gargalo às gargalhadas cruzando a esquina. Ando uma quadra inteira vazia, blindo meu campo e penso que só tem bêbado e maluco pela rua mas dois trabalhadores cansados fechando a porta do metrô da Antero de Quental me lembram o contrário. Passo a enxergar os muitos mendigos pelas calçadas e marquises. Quatro homens com coletes cadastrados sentam espalhados enquanto separam pilhas do jornal do dia seguinte. Meu cansaço parece pequeno perto do deles. Meu mundo caiu. Tudo que construí sofreu uma rachadura em uma semana, tudo junto, racional e emoção, profissional e afetivo, estrutura e sonho tudo por água abaixo. Meu mundo caiu e eu ando a passos largos sabendo que o caminho continua. Sofro, choro, penso muito, sem parar. Ainda estou em meio à tormenta, mas antes cedo do que tarde, estou feliz e aliviada com a saída pela culatra. Os planos se moviam apesar da completa distinção. Éramos dois opostos tentando encaixar. Ele sem emoção, eu transbordando afeto, não podia dar certo. Traição.