Sunday, March 19, 2017

Ressaca

Acordei cansada depois de uma noite de insônia, na dúvida se me jogava no mar. O verão termina amanhã mas o inverno já chegou - dormi pela primeira vez sem ar condicionado e despertei para uma manhã cinza e chuvosa. A insônia deve ter sido o prenúncio do tamanho das ondas que me esperavam. Desci para encontrar o pneu da bicicleta furado e sai descalça mesmo pela rua, andando contrariada até a praia. Odeio andar, não tem movimento humano que me dê mais preguiça, acho chato, me põe para correr, nadar, pular, voar, saltar, pedalar, dormir, qualquer coisa menos andar, pedalo mesmo que seja menos de um bloco. Mas lá fui eu com meu pé-de-pato e handplane em mãos, já ouvindo piadinha dos meninos do Big Polis, Edilson debochado como de costume (deve ser karma do nome) me gritou de longe, “que isso aí, hein, dona Chica, standup de boneca?” enquanto os coleguinhas caiam na gargalhada, dei um tchauzinho sacana com um sorriso enrustido e lembrei da minha bicicleta que não dá tempo para essas intimidades. À meia quadra do mar já ouvia o barulho das ondas, elas soavam como prédios implodindo e uma brisa fria com garoa arrepiou toda minha espinha em câmera lenta. Andei pela orla e fui parada mais duas vezes para explicar a tal da pranchinha de mão de madeira, interagi com sorrisos enquanto alimentava em silêncio o saudosismo nostálgico da minha tão querida amiga silenciosa, bicicleta. De longe avistei as ondas do pontão do Leblon, fui andando e contando as tantas cabecinhas dentro d’água, quatorze surfistas, cinco bodysurfers e um fotógrafo. Já na areia me surpreendi com a força e tamanho de algumas séries, o mar estava grande, selvagem, o dia frio, minha cara amassada, minha noite mal dormida e nenhum conhecido para me entusias-mar. Pensei, repensei e me falei o que sempre falo quando o mar me assusta, “não precisa pegar onda, só de estar lá no fundo com o mar assim já tá valendo o desafio.” Me aqueci, pedi licença e fui. Tenho a política da boa vizinhança quando entro na água, sou só sorrisos e distribuo bom dia para quem me olha, mas os rostos pareciam aflitos e meio confusos com a minha chegada. Um bodysurfer chegou mais perto e perguntou se eu era do Rio, que por aqui só tinha mais uma ou duas meninas que ele tinha visto pegando onda de peito em mar assim. Um outro bodysurfer voltou assustado de um caldo, “caracaa, voei uns dois metros no ar só para ser mastigado depois, o mar tá sinistro!” Eu esperava ainda o momento certo. O outro apontou para a galera nas pedras, na areia e no mirante do Leblon assistindo, “com esses paredões dá até plateia.” Lembrei que não estava sozinha, que eles também sentem medo, que faz parte, e mais do que tudo me assegurei no quanto me sinto confortável a me adaptar às surpresas do mar, me preparei para isso. Fui fazendo amigos. Depois que peguei a primeira bomba os meninos começaram a gritar para eu ter prioridade nas outras em que eu estava melhor posicionada e comemoravam quando eu voltava de uma boa, nessa brincadeira peguei cinco ondas lindas em uma hora de mar. Me chamaram para surfar com eles na laje de Ipanema, contaram do whatsapp de bodysurf, mas acabei saindo da água morrendo de frio e com o estômago resmungando de fome. Encontrei um dos surfistas com a prancha quebrada na areia, inconsolável.

Cheguei em casa e recebi essas fotos, a cara não tá das melhores mas acho que condiz com o que eu vinha falando aqui. Mas sobretudo fico muito agradecida pelo momento compartilhado com novos amigos e feliz por ter coragem de alçar meus voos com consciência e disposição para conquistar meus espaços.