Friday, April 11, 2008

A Árvore


Um tronco de árvore dividido ao meio
Tronco fundado em raiz que corre quilometro debaixo da terra debaixo dos dedinhos longos da menina de cachinhos dourados
Ela molha as florzinhas rosas e amarelas que brotam aos pés do tronco
Ela sopra as pétalas com desejos suicida que elas se despetalem ao vento
Ela sopra cheia de vontades avessas
As flores resistem

A árvore cresce soberana
Majestade de suas bifurcações

A árvore mora em floresta encantada por gigantes que dançam com o vento balançando seus longos cepos e cantando em sinfonia com a brisa
Milhares de raios de sol desenham labirintos de luz entre as folhas e galhos
Milhares de raios de sol desenham labirintos de sombras entre as folhas e galhos
Luz e escuridão

Frio
Cérebro rasga ao meio e vira do avesso
Caos
Corpo suspenso e mar infértil
Esperando ralo, válvula de escape, buraco
Qualquer saída dessa esquina de mundo

Menina, ela precisa atravessar
Precisa tomar caminho construído com pedras tão pequeninas que podem ser confundidas com areia
Menina semeia desejos em gestos largos
Joga os braços para o alto brincando com o universo

Chega de pedregulho
Dá descanso para menina
Deixa ela voar com endereço
Deixa ela em paz por um soluço de tempo

A menina sonha sonhos de astronauta
Escada pro céu
Degrau por degrau
Ela corre em passos largos e para exausta nas curvas mais abertas
Ela se joga no chão e se espreguiça inteira
Invadida pelo abismo em seu peito
Seus braços e pernas arranham o solo de algodão e concreto
Ela levanta e corre em cima de nuvem preta de chuva

Ela chove
Ela despenca lá do alto e freia em susto
A menina se estabiliza na superfície suspensa à beira de desfiladeiro
Buraco negro cantando seu nome
Ela flutua

Menina forte que morre de medo
E as vezes esquece de ser Amazona e vira passarinho no ninho sozinho
Ela fecha a porta e encara o rosto no espelho
“Será que eu sou feliz?”

Menina chora calada no banheiro
Ela se tranca no quadrado frio e sentada na privada bege chora quietinha
Ela lambe lágrima salgada com gosto de esperança e ri oceano
Faz graça de si própria
Chora mais um pouquinho

A menina se sente tão sozinha que chega a abrir o sutiã achando que é ele que causa aquele aperto no peito
Né não
É o peito mesmo

A árvore não para de crescer
Se finca lá, seja vento, chuva, sol
Se alimenta de luz e terra com seus milhões de galinhos que se multiplicam em milhões de vertentes
Milhões de possibilidades
A árvore
A terra
Os galhos
As folhas
Raiz

A árvore transborda sua seiva quase mel entre cada curvinha de seu corpo gigante
Sangue de tronco pingando amarelo-ouro em folhas secas
Folhas secas que já foram brotinhos e adultas verdíssimas banhadas de fotossíntese
Folhas que se nutriram dos galhos, do sol, do ar, da terra
E depois caíram, secaram, desintegraram, viraram poeira
A árvore e seus ciclos
A menina e suas estações

A menina canta alto sozinha e gargalha ao vento
Ela quer abraçar o mundo
Ela quer abraçar mas mais do que tudo ser abraçada
A menina quer amar

A menina corre montanha e conquista o mundo quando chega lá em cima
Ela salta em passos enormes suando fantasmas e monstros secretos
E o dia amanhece e escurece e a noite invade o céu de estrela e a lua encara a menina de frente
Ela encara de volta

A menina corre na areia quente queimada de sol e respira partículas de vida
Ela respira fundo e sente arrepio do pé a cabeça
Ela se joga no mar de peito aberto cheio de desejo
Menina, mulher, criança, velhinha com anseio de compartilhar
A menina quer amar

Outro dia ela se pegou rezando no escuro debaixo da coberta de olho fechado e tomou susto quando viu que tava a rezar
Justo ela
Pensou um pouquinho e aceitou ritual
Gostou de virar desejo em prece e resolveu dar mais uma rezadinha, por que não?

E as vezes no banho debaixo de água quase fervente
Ela pensa na vida toda em flashes e filmetes
Ela deixa a água correr sobre o rosto
E enxurrada de memória explode em bolhas de sabão
O corpo dormente desiste de brigar com o mundo por aquele instante
O corpo não mais resiste e se entrega a água corrente

Nossa, ela vem pensando é demais
A cabeça vive a mil
Transbordando perguntas e conclusões
E quando se joga cansada no colchão
O corpo dorme mas a cabeça explode de questão
Ela fica lá, horas e horas calada no escuro
Fritando em deserto sem miragem
Rolando de um lado pro outro
Procurando conforto
A menina abraça travesseiro para tentar tapar buraco

De noite a menina fica mais vazia
Seu corpo não cabe em sua pele
Ela abre a porta de casa e quebra a casca daquele ovo gigante que ela é
Ela senta em sua cama e descama sua pele de cobra e fica ali
Crua, nua, se encarando assustada

A menina está cansada de brigar
De batalhar
De obstáculo
Chega, tá na hora de lhe dar umas férias
A menina quer poder ler o futuro
Só aquele futuro próximo que tanto cabe
Futuro assombrado por milhões de janelas a se abrir

A menina voa entre mil galáxias dentro de sua cabecinha cheia de cachinhos louros
A menina abre as asas querendo engolir universo

Ah vai, deixa a menina quieta
Deixa ela brotar, enraizar
Deixa a menina criar caminho
Deixa ela ser
Deixa ela estar

***

If I Leave I'll live