Jogou tudo pro alto. Saiu só com a roupa do corpo. Entre as pernas, desejo de mundo.
Correu com o tempo. Cortou o ar com garfo e faca, abriu sua boca mais enorme, esgarçou os cantos. O passado, talher de plástico –– de agora em diante só comia com as mãos.
Não tinha pressa. Só tinha salto. Se esticou pré invertida e quicou grupado pinote de ginasta. Andava convencida de que sabia dar mortal. Tinha morrido tantas vezes que não era uma cambalhota que ia brecar o caminho. Ainda ouviu ao fundo o desalento dos que desejam que o outro desdeseje para não terem que encarar o fracasso de nunca terem desejado tanto. Me deixa que é com a dor que eu voo, pego impulso no que rasga ao meio e decolo mais alto do que da vez anterior. Cada vez que quebro fico maior ainda. Não confia em quem não conhece o fundo do poço.
Era ainda criança quando escalou o primeiro. Caiu lá embaixo e adormeceu com o eco de seu choro. Rasgou o barro com as unhas, escrevendo as palavras que faziam do plexo multidão. A poeira rasgou as pontas de seus dedos. Cravou os caninos na carne viva e chupou a pontinha das falanges. Foi a última vez que curtiu o gosto de sangue.
Horas, dias, meses registrando nas paredes tudo que não conseguia ouvir, menos ainda dizer. De teto só o céu.
À noite conversava com as estrelas e achava que talvez houvesse mesmo os deuses, cada brilhinho fosse um, que nem na história da Odisseia que a mãe lhe contava para dormir, em que o divino morava nas nuvens.
É que dá trabalho sonhar.
No dia em que se esvaziou de si, avistou a escada pro alto. Você sempre esteve aqui? Perguntou aos degraus.
Nenhum poço foi tão fundo quanto o primeiro. É que quem descobre que não morre de dor, aguenta tudo. Basta encontrar muro para escrever rio que vira oceano e a angústia dissipa em braçada larga. Tchau, viu. Chorei bastante, mas levantei maior. Me deixo o legado da coragem de sentir sem me esquivar. Pobre de quem não entrega tudo. Eu tô pronta para próxima.