Sunday, July 21, 2024

Rotina

Tenho passado meus dias em silêncio comigo –– eu, o computador, a mesa de madeira e todo céu que entorna a varanda. Ando na compulsão do transe da escrita. Nem sempre consigo me exercitar nas manhãs. Ultimamente minha relação mais íntima é com as palavras, passo horas e horas submersa nelas. Só paro quando a barriga grita, algumas horas passadas do limite da fome. Meu apetite maior é pela trama que agora afino com olhos de lince e coração de leão. A história tem o mar como pano de fundo. Venho nadando no desenrolar dos arcos. Reservo a noite pros encontros, mas volta e meia desmarco porque a cabeça chega frita no fim de tarde. Ainda assim, preciso dos amigos, dos amores, das distrações porque a costura das palavras escritas é densa. Viajo pelas tantas galáxias que residem em minha mente –– me emociono, às vezes caio em prantos, rio muito também, solto gargalhada. Descubro trajetos longos, sem atalhos, até o centro do meu buraco negro. Desvendo segredos que nem eu sabia que tinha. Estou tomada pelo entrelace da memória com a ficção, jornada intensa por terras férteis. Nos intervalos, uso a música para me esvaziar um pouco, para me jogar em outras melodias. Danço pela sala até restabelecer o fôlego para o próximo mergulho. O primeiro livro tem cento e noventa páginas, esse tá com duzentas e sessenta e quatro, mas só no fim vou saber o tamanho. Se revisar o primeiro foi um sufoco pelo conteúdo violento da trama, revisar o segundo envolve mais prazer do que o esperado, ainda assim me reviro do avesso e termino cada dia diferente de quem eu era quando despertei. Escrever é esculpir pedra bruta, revisar é polir as arestas.