Já sei que
amanhã eu vou acordar assim, peito mais vazio do que a cama, e não é ausência
de você, você, é ausência de uma coisa, de um alguém que podia ser qualquer um
ou nenhum, ausência de desejo suprido, de um abraço longo, uma boca morna,
salgada, aberta, parada ali, ainda dormindo, respirando gota a gota um mundo
que existe dentro daquela boca, dentro daquela cabeça, dentro daquele corpo,
dentro daquilo tudo, dentro de um universo que só existe no outro. É isso,
ausência do mistério do outro. Ausência de um mistério compartilhado, mistério
que parte de um e vira a dois, sem deixar de ser cada um com o seu e nós com o
nosso, mistério que ao pouco se abre, e enquanto nunca deixa de ser enigma,
fica cada vez mais conhecido e constantemente renovado, se recicla e materializa
tudo de novo, mistério infinito que descobrimos e encobrimos em cada um que
encontramos. É isso, é essa ausência de um segredo, segredo que não é meu,
ausência de descobrir o segredo do outro. E descubro que isso tudo que você tá
aí acordando em mim, o tal vazio, foi para isso que você veio, só para despertar
o que estava adormecido, não para preencher. Hoje eu vou dormir assim, com esse
vazio no peito maior do que a cama, sabendo que esse vazio não é você, esse
vazio sou eu, esse vazio é algo que eu quero, esse vazio mora dentro de cada
um, que quer mais um, que quer mais tantos, que quer compartilhar mais do que o
que sente só com si próprio , mas compartilhar com o outro, dentre encontros,
tantos encontros, e o encontro é feito no encontro, não na ausência.