Thursday, December 21, 2023
Edinho
Tuesday, December 19, 2023
Abismo
Se expandir é um exercício de desconforto. Cheguei aqui e precisei me despir de mim para me abrir pro novo. Não é fácil e, ainda assim, é por isso que vim. Me deparo o tempo todo com quem eu era e quem eu posso ser. Do acordar ao dormir me emociono com o que não conheço. Me relembro que vim para conhecer, me desconhecer e reconhecer. Deixei no Rio tudo que sabia, disposta a rachar minha carcaça e buscar o cerne. Sou aqui uma estrangeira para mim e busco o estranhamento justo para me desconcertar. A cada medo que atravesso me descubro mais um pouco. Vejo o abismo e salto. É que a beleza vai além dos olhos. O tal do encanto infantil de ver no simples o extraordinário, de abrir o peito pros encontros com tudo e com cada um. Me rasgo e me cicatrizo. Me fortaleço a cada passo que dou para frente ao invés de correr pro meu próprio colo. Para voar preciso saltar dos tantos desfiladeiros sem saber onde vou encontrar pouso, mas quando aterrizo sinto minhas asas ainda maiores. Não sei o que vai brotar disso, mas já tá dando em tanto que não precisa de mais. Me jogo nesse Rio amazônico tão barroso quanto as certezas e fluo. Quanto mais me quebro, mais inteira fico.
Monday, November 27, 2023
Rédea
Sexta-feira você me olhou diferente, sorriu riso aberto olhando no olho, disse tudo que eu queria ouvir sem nenhuma palavra e atravessamos a rua mais juntos do que até então. Você me segurou pelo pescoço, pelo ombro, pela cintura, me regendo pela calçada na direção do seu caminho. Eu me deixei levar, entregue à sua música, assim como havia previsto a rédea dada. Tinha te reparado ainda de dentro do táxi, calça clara, camisa escura e seu jeito firme de sustentar seu corpo no mundo. Você tem as costas largas do rey da Prússia, eu tenho as costas largas da floresta amazônica, nós dois temos o mar. Nesse encontro de dois (mil) mundos, há tantas costas para gente desvendar. Esse final de semana, pela primeira vez, dormi em teus braços, rolei na grama macia do seu peito em meio a sonhos eróticos e acordei pro tal café da manhã que te contei por escrito. E a gente segue assim, se expandindo juntos, se estranhando e se expandindo mais ainda. Dois polos opostos com o cerne parecido.
Thursday, November 02, 2023
NadaR no Mar
Tuesday, October 24, 2023
Branco
Vi tudo branco. A blusa. O cabelo. A luz. Senti o sopro da sua brisa em meio a leds e neons. Assisti no fundo do seu riso o menino dentro do homem. Todo seu torpor estampado no verde dos teus olhos largos. Provei teu entusiasmo preenchendo o espaço com a torrente de palavras que desencadeou, eu já nem lembro mais – a gente falava de mar, de escrita, de mundo e mergulhava noite a dentro sem olhar pras horas escorrendo entre os dedos. Você me perguntou onde a gente podia dançar. Uma conversa. Um estalo no tempo abrindo uma porteira nova na estrada. Adentramos o portão. No caminho, melodias enviadas por satélite, voando até o céu e trocando de mãos, o tesão se costurando na harmonia das tantas histórias cantadas e escritas. E veio o tal do sorriso que atravessa o peito por trás da rotina dos dias, o barato do desvendar aos poucos o outro, ir descobrindo os detalhes e o todo. Aí teve a transa que começou no encaixe do abraço que virou beijo e, antes mesmo de você me adentrar, eu já transbordava. Coisa de pele. Depois veio tudo mais. O peso do teu corpo, seu cheiro, nosso gosto misturado, a troca, o riso. Um bando de barato. Aonde vai dar, não sei. A gente nunca sabe. Eu prefiro o presente.
Sunday, October 15, 2023
Abraço
Abre os braços bem largos, expande o peito além do limite, rasga o cerne ao meio e deixa caber mais. Deixa as extremidades se esticarem pro mundo e abraça o céu, as estrelas, a porra toda. Respira fundo o entorno, absorve o que te comove e anda junto. Sabe aquele lugar que sorri dentro da gente e pulsa abundância por inteiro? É um botão que a gente aperta num canto de si e que desperta o que dorme lento nos dias anuviados da mente. Uma lente. Um jeito de olhar para tudo e qualquer coisa e deixar que os sentidos toquem o mundo com dedos de pétala. Tudo são flores, mais ainda os espinhos que apontam o contraponto das escolhas desalinhadas com o que pode ser bom. Qual o sentido das coisas se não nos fazer sentir? Se transforma com o ar como o vento voa em correntes quentes e frias, as marés altas e baixas. Não nada contra. Não se afoga. Não se afoba. De sempre só o hoje. De eterno só o agora. De tudo, só a vazio que a gente vai preenchendo com a gente que a gente cria em si e no encontro com o outro. E se o outro não é só alguém, é tudo, as plantas, as águas, as coisas, a temperatura e textura do dia, noite, madrugadas à dentro peito à fora; se nos relacionamos com tudo e todos o tempo todo e o silêncio é só a ausência de voz humana externa, porque a interna quase nunca para, nem dormindo, nem sonhando; se o silêncio é só o barulho ruidoso dos detalhes invisíveis que quase nunca prestamos atenção, o pequeno ronco do infinito que mora em cada segundo, cada escolha, onde fica a paz se não na habilidade do encontro com o sublime? A solidão é barulhenta, a gente que escolhe a música numaa dança com os movimentos internos. Em que frequência você toca?
Tuesday, September 05, 2023
TEMPERANÇA
Você se move lento, às vezes até o olhar fica com preguiça de se abrir por inteiro. Disse que é timidez, quiçá uma idade antiga que permeia sua juventude. Já eu olho e acho que é seu jeito de se proteger da dor, de olhar pro terror com a isenção de quem se defende, a tal calma que você mencionou quando o mundo se despedaça e você é tomado por temperança. Você que lida com o desespero no dia a dia e entra em cena para resolver o trágico, se educou a ser forte. Mas se proteger da dor é também se proteger do encanto. Você é a solução do outro, no mínimo a opção mais sensata. Qual é a sua solução para si?
Disse ainda que não se apaixona faz tempo, mais de década, cercado de um mundo sem brilho em que o olhar atravessa sem mergulhar no profundo. Ah, a temperança... Fiquei ali te ouvindo, encarando sua tristeza dentre sorrisos e perguntas. Te vi inteiro na melancolia que mora em seu olhar – você disse que vem de ter poucos amigos, da solidão, e eu que amo a solidão, convivo com ela desde sempre e a defendo com unhas e dentes, ainda assim não conheço tanto a constância da tristeza, e sim o mergulho no profundo a que ela me leva e que depois me quica de volta pro mundo mais forte e disposta ainda. Então tendo a achar que é mais sobre uma lente pras escolhas do que sobre ser solitário. E pensa bem sobre suas escolhas. O que te moveu até aqui foi tudo além da comoção, e digo no sentido exato de comover, correlacionar, de ser impactado pelo encontro, pelo encanto, e de se transformar através do que te revira do avesso? Você não escolheu avessos, você escolheu um trilho, botou seu trem sobre ele e foi tocando para frente, conquistando parada por parada um troféu atrás do outro, agora descobriu que não é o bastante. Não bastam as vidas salvas, as férias, as conquistas, os one night stands. Não basta. Algo te falta. Seu olhar grita pela força do que vai além do controle, pelo brilho que tilinta para além de qualquer escuro. É que o preço da frieza é o frio. Há a temperança.
E talvez, arrisco aqui dizer, que o caminho seja se jogar no que você não domina, no que te assusta, no que te tira do trilho, da segurança das suas tantas habilidades adquiridas. Talvez seja sobre ter menos a rédea em suas mãos, e “indomar” seu leão, ou escorpião, sei lá. Mas se jogar sem saber onde isso vai dar, se arriscar a errar, a perder, a se estraçalhar para se descobrir mais inteiro do que nunca, porque cada vez que a gente se racha em mil, a gente descobre de quais pedaços somos feitos. Quanto mais me quebro, mais segura fico do que sou, e mais pronta para me quebrar de novo por saber que nunca me perco de mim, pelo contrário, me construo cada vez um pouquinho mais.
Talvez se perdendo um pouco de si, você se encontre mais do que nunca. Mas quem sou eu para saber... Meras impressões de um breve encontro.
Sunday, August 27, 2023
RABISCO
Sublinhei uma frase num livro e escrevi seu nome com sobrenome para ter certeza de em quem pensei quando primeiro a li. Já me despedia, prestes a começar a jornada do esquecimento, quando te engaveto no lugar do que atravessa e não fica. Me despeço precipitada do que se afasta. Sinto a distância se expandir e corro para o lado oposto passadas largas. Corto com a faca amolada das grandes escolhas seu gosto e ponho no pote do que se esvazia. Fecho a tampa sem permitir que suma por inteiro. Guardo em vidro grosso o que sobrou do encanto para que ele se reste assim na prateleira das memórias. Nunca gostei do amargo, então deixo que o doce sobreponha qualquer outra lembrança. Aquele último pedaço da sobremesa deixado no prato propositalmente para não findar de vez com a ternura que, por um instante, às vezes tão breve quanto uma mordida, senti na boca. Preservo em silêncio a imagem do que foi, como um retrato amarelo de um álbum com poucas fotos. Só floresço na reciproca. Deixo chover todas as gotas do seu rio e selo a fonte com cimento fino. Te deixo ir. Não pergunto. Não insisto. Apenas te assisto indo e me despeço, como que observando o brilho de uma estrela esvaecer até desaparecer por trás de uma única nuvem que escolhe aquele pedaço de céu para nublar primeiro, eu que botei ela ali para cegar tua imagem o quanto antes, para mantê-la sempre ainda como aquele primeiro sorriso, é ele que escolho guardar da gente.
PIXELS
Se soltou do abraço e atravessou o céu um bando. Desenhou um triângulo entre três continentes com sua rota pelas nuvens. Ela, lá no primeiro ponto do desenho, voando alto sem sair do lugar. Ainda assim pulsavam juntos um tambor que só bate dentro do peito. Dançavam um baile entre corpos longínquos, juntos mesmo de longe. Bastava fechar os olhos, mesmo abertos, para se abraçarem no escuro das memórias que se reinventam em retratos de um possível futuro. Lembrar era imaginar lembranças novas, ainda nem se quer vividas e que, quiçá, jamais serão. Ainda assim, valia a pena sonhar. No fundo, era inevitável. Foi o que sobrou daquele breve grande enlace –– química que move mares sem painel de controle, apenas dois barcos que navegam suas rotas sem jamais precipitar que podem vir a desejar um porto em comum. E quem controla pensamento se não os afetos?
Te vejo transitar por terras distantes. Assisto curiosa fragmentos de você por ondas de satélite que saem de mim até o céu, chegam até você, e vice versa – amor pixelado até o próximo abraço. Quando te penso, ouço a frequência das nossas ondas tocando ao fundo em uma rádio que só nós ouvimos, músicas que ainda nem escutamos.
Monday, August 14, 2023
Visita
Seu sorriso do outro lado da porta.
Um beijo.
Um beijo que se estica e a gente brinca de pular a corda do tempo num desenrolar do entrelace dos corpos.
Cabem mil horas no nosso breve.
Sua superfície se adere à minha pele, acende fogueira e derrete o entorno.
A gente se despede.
Ouço o ecoar do seu riso no elevador.
A música continua tocando.
Saturday, July 29, 2023
Casais
Uma mesa de bistrô de shopping, Ella toca nos auto-falantes enquanto os quarenta minutos até a peça passam mais rápido do que o tempo que eu gostaria de ter para comer. Um casal decide ir embora sem pedir nada, apressados para o teatro. Aviso do tempo até a peça e o garçom diz que meu pedido cabe na janela. O senhor da mesa ao lado me diz que todos no bistrô estão indo à peça das 20hrs, “deve ser boa”, alheio aos três teatros diferentes com peça às 20hrs. Sua companheira de mesa me olha com um sorriso entediado. Ele tenta engatar mais umas duas amenidades e eu me fecho com gentileza, evitando adentrar sua programação de sexta. Ele volta a atenção para sua companheira e eu entendo então sua tentativa de conversa. Ela, monossilábica, não engaja em nenhum assunto. Não importa o que ele pergunte, o quanto ele sorria e tente engatar uma história, se mantém desinteressada, à deriva em seu silêncio. Me pergunto se está chateada, mas ela solta um “o crepe tá uma delícia”, e ele abre um sorriso generoso como se tratasse de uma fala engajante. Se encoraja em contar mais duas coisas relativamente engraçadas, ela nem esboça sorriso. Me assolo com o aparente abismo entre os dois, imagino que ela seria mais feliz com um homem menos simpático, e ele cairia em êxtase com uma mera gargalhada de uma mulher. Imagino se um dia seus olhos brilharam um pro outro ou se engataram por uma gravidez indesejada em família careta, um casamento armado pela expectativa alheia, ou se se mantém juntos só pelo comodismo de pensar que a vida poderia ser pior ainda sem o outro. Ele olha pros lados, busca seu olhar, ela continua fechada. Mergulho em minha dramaturgia me perguntando se ela se delícia com algo além de crepe francês. Até que ele paga a conta, se levanta, espera gentilmente ela levantar, abre espaço para ela andar na frente e, já ao longe, dão as mãos. Me perco com o vazio de tal visão das mãos frias entrelaçadas, mas sou rapidamente arrebatada por um novo casal de idosos que se aprochega no lugar deles, dão um selinho antes de sentar, ele segura a mão dela sobre a mesa enquanto combinam a próxima viagem para Toledo.
Thursday, July 27, 2023
Bola de Gude
No meio do disco um arranhão, um descompasso sutil, uma bola de gude perdida nas frestas de um chão antes de cimento liso em construção. Uma mera bolinha de gude que ecoa sua queda em um som mais alto do que seu tamanho, imprimindo sua ínfima linha por onde rola. Ela é palpável. Basta botá-la na palma da mão e guardar no bolso para virar memória, memento, token dos pequenos arranhões. Vi a bolinha numa frase tua, “Aquele tipo de encantamento que não sinto há anos, nem sei se ainda posso sentir de novo.” Foi como se tudo nosso até ali tivesse sido trivial, sem impacto maior do que a tal bolinha de gude rolando pelo chão. Para mim sempre houve encanto, além de toda diversão. E o tempo merece tempo para ajustar seu malabarismo com as bolas grandes e pequenas do caminho. Ainda ouço os sons do encontro. A música continua tocando.
Saturday, July 22, 2023
Prioridades
Ontem você ficou mais do que queria. Hoje despertou com o gosto expirado de prioridade posta de lado. Acordou com pressa, se disse exaurido, cansado, poeira de si. Fiquei ali ouvindo o silêncio dos seus planos secundarizados, vi em seu semblante o véu fosco da culpa sobre a escolha tomada. E pode ter certeza que te entendo, conheço esse gosto na minha própria boca, gosto do que não atendi em mim, do que relativizei e empurrei para debaixo do pano só para crescer bola de neve no peito. Não quero ocupar seus espaços preenchidos, menos ainda distrair seu foco. Existo para agregar mundos, somar caminho, sem querer virar desvio de nada. Não gostei de te ver à deriva do seu porto bem ali do meu lado, saudoso do que não fez. Gosto de compartilhar desejo sem jamais sufocar pulsão. Não alimentemos sacrifício, nem gosto de obstáculo, só entrega plena, sem culpa. Dá próxima vez que te sentir assim, prometo que te deixo ir sem propor nem pedir, me fala também. Sei que foi bom e tals, mas prefiro você saudoso de mim do que comigo com saudades de algo. Prefiro ver seus olhos brilhando, sempre.
Tuesday, July 11, 2023
BIG BANG
Uma pedra rompe a superfície da água, estilhaça o invisível, atinge o secreto. Entre as coxas um monte quente vibra, se espreme, se aperta e enrijece até perder de todo o controle e se render por completo. Um descarrego de sons, gemidos, mil gritos internos ecoam a sinfonia do transe. A pedra desce lenta abismo à dentro espalhando gradualmente suas ondas em transborde. Do ventre às extremidades, reverbera pequenos espasmos eletrizantes, pulsa seu tremor em espiral. Nós dois ali, jogados um sobre o outro no mansidão do que vai além. Seu mel esparramado em meus vales, o meu ainda dançando na harmonia do seu gosto. Você crava seus olhos nos meus, a gente se atravessa, nosso intenso se derrete.