O Ed Mort, meu pai Macunaíma, sempre teve dedo bom para as namoradas
em sua grande maioria, especialmente as fixas, posso dizer até que
algumas tiveram impacto direto em quem nos tornamos.
A ILana Lansky
foi parte grande da minha memória infantil, linda e loura como um conto
de fadas, mas antes de tudo fotógrafa talentosíssima e de uma
sensibilidade lúdica, ela retratou os nuances da delicadeza das relações
da nossa pequena família sempre buscando o cerne do momento sem
demandas de pose ou sorriso forjado. Terna em sua suavidade, Ilana
deixava ser mais lindo o olhar real que tínhamos naquele exato instante.
Todo ano nas férias viajávamos meses de fusca por cidades remotas do
nordeste brasileiro dormindo em casa de amigo ou hotel de beira de
estrada para chegar em paraísos de palafita, terra batida e muita
natureza. Passávamos meses sem pressa em vilarejos desprovidos da sombra
do urbano e aprendíamos sem tentar o sentido mais básico da liberdade.
Ed Vida, acreano, filho de dono de seringal, nascido e criado em meio
aos folclores indígenas e à selva amazônica, nunca foi de firula e nos
jogou no mato, areia, mar, rio, desde minhas primeiras memórias. Nos
botava para caminhar fronteiras de estados a pé por praias desertas,
limpava peixe com canivete e matava a galinha do almoço. Fazia muita
farofa de ovo, arroz integral pra janta e cuscuz pro café e não hesitava
em comprar jaca para servir de barreira para briga de irmão no banco de
trás do fusquinha. A gente acordava com o galo cantando, fazia as
tarefas proporcionais aos nossos tamanhos e depois éramos livres para
fazer o que quiséssemos com nosso dia. Os tempos eram outros, as agora
cidades eram povoados e o medo da violência ordinária não permeava a
realidade diária, então a gente corria por mato alto e nadava com cobra
d'água sem vestígio de medo, a gente fazia de poça de lama piscina e
comia fruta no pé.
Lembro bem d'eu com as pernas pequeninas,
seis ou sete anos, perambulando durante o dia sozinha por Itaunas quando
não tinha casa de tijolo ainda. Eu fazia amizade com pássaro,
vira-lata, pedra e montanhas em dunas de areia. Lembro de uma solidão
criativa que eu buscava ainda muito pequena, de inventar peças, músicas,
danças e poesias pro céu, para as nuvens, para árvores, pra todo e
qualquer rio de água fria que eu tanto gostava. Eu sentia uma confiança
enorme e uma independência, segura de saber onde pisar e de quando
voltar para casa, normalmente movida por comida no segundo caso.
Na minha última semana na Costa Rica, já em tom de despedida, voltei de
uma festa mais cedo para dançar sozinha em casa. Fechei os olhos no meu
bangalô de palafita e me emocionei com tantos flashbacks dessa infância
esquecida, com a simplicidade dos sonhos, com as paredes de madeira e
chão de cimento queimado, com a ausência de qualquer necessidade de
luxo, e a liberdade que encontro na minha solidão e entendi no fundo do
peito o paralelo com essa Costa Rica que eu criei para mim.
Hoje
recebo essas pérolas da Ilana, essas fotos, algumas inéditas, e me
emociono mais ainda. Agradeço tanto ao meu pai, e mais ainda a ela, por
ter feito parte da nossa história e retratado tantos momentos através
dessa lente tão apurada e plena de amor. Lembro dos ensaios, das
brincadeiras, das idéias e curtições e de muita, muita ternura.
Muito obrigada, Ilana. Essas memórias e essas fotos não tem preço. Que
lindo são os encontros. Todo e muito amor para você e família