No dia 28 de maio saí de uma filmagem direto para o aeroporto depois de
um ano inteiro de set. Voei para a América Central sem poder imaginar
que minha vida ia virar do avesso. Não planejei mudança nenhuma se não
uma férias de tudo, especialmente de mim mesma, de um eu que eu estava
cansada de aturar. Andava sobrecarregada, exausta, estressada, me
sentindo oprimida pelos meus compromissos. Me vi sem tempo para mim,
achando que me cuidar era ter minha unha feita, uma pedalada de
bicicleta ou um consumismo tapa buraco - mas o buraco não enchia. Sentia
uma angústia, o tempo passando em dias massacrados e noites mal
dormidas, volta e meia vinha choro transbordado no fim do dia, vinha
explosão desnecessária e não raro uma tormenta de pensamento negativo.
Me senti envelhecida, cansada, achando que o caminho daqui em diante
virara árduo e sistemático. E aí veio esse um mês aqui na Costa Rica que
se estendeu em cinco e descobri um bando de coisa que precisava mudar.
Em agosto, em um hiato necessário, voltei para órbita carioca bem no
meio da viagem justamente para ajustar as mudanças que a vida me
ofereceu e eu abracei. Resolvi que não podia abandonar nada ao léu e sim
remanejar com delicadeza as estruturas. Precisei reorganizar minhas
prioridades para estarem mais de acordo com o caminho que eu venho
descobrindo, mas cuidando de todos os laços sem deixar nada desatendido.
Voltei mais do que tudo pra transformar, com todo carinho e cuidado, um
grande amor em uma amizade para vida - mas isso é outra história.
Em outubro retornei para Costa Rica em busca desse eu melhor que
encontrei aqui, vim disposta a destrinchar minhas angústias em
possibilidades e alimentar essa frequência e suavidade.
Tive alguns
percalços com a natureza aqui tão selvagem, não posso negar, fui picada
por aranha, mijada por esquilo, queimada mil vezes por água-viva e
atacada por cardume de sardinhas. Separei briga de cachorro, matei
barata voadora, espantei formiga gigante tentando comer pedaço do meu pé
e escapei até de escorpião. Nem sempre a natureza é gentil, mas quando é
dá um bando de presente, teve arco-íris de cabo à rabo do céu, chuva
dourada, plâncton brilhando no escuro, noite estrelada sem economia de
estrela cadente. Teve raia preta com pintas brancas dando salto mortal
bem do meu lado, tartaruga, baleia, e um milhão de rasantes de pelícanos
performáticos. Teve gaivota esperando onda comigo e mergulhando fundo
mar adentro, teve o canto de tantos pássaros, o silêncio das iguanas, o
grunhido rouco dos macacos. Teve cachorro que me adotou e gato preto sem
rabo que eu fiz carinho mesmo ressabiada, até amizade com carangueijo
fiz, nunca imaginei, mas nada me põe em riste mais do que o mar - foi lá
que descobri um bando de coisa e alguns segredos, é lá que todo meu
caos se aquieta e entro em sintonia com suas correntes e minhas marés. É
no mar que mergulho em mim, que silencio angústia onda abaixo e desafio
cada fibra, cada célula.
Sou feita de oceano e barro, feita para
viver com pé escorregando na lama e pisando em pedra, nadando a favor da
corrente sem pressa para respirar. Mas tenho outro mundo também, mundo
de grandes responsabilidades e pequenas decisões urgentes. Lá onde não
tenho tempo de fazer xixi, pega mal, corro frenética de set em set entre
frequências de rádio e diferentes canais. Tenho domingo de folga e às
vezes um dia na semana, surrupio momentos matinais de esporte ao ar
livre. Mas corri muito atrás do mundo que tenho, não perdi tempo, e não
quero jamais correr atrás do tempo perdido. Sei o quanto quero viver.
Tenho fome, estou ávida, quero abundância. E aqui onde viver é sonho,
onde tudo fica tão simples apesar de acabar de escutar o mover de um
corpo estranho entre a madeira do teto do meu quarto e o sapê, quiça uma
iguana, um morcego, who knows, ouço seu rastejar mundo acima e não me
incomoda, me acomodo, continuo aqui a pensar.
Daqui a uma semana,
oito meses depois de ter saído pro mundo desavisada do quanto a minha
cabeça ia girar, atravesso o portal, retorno do buraco de Alice e volta
tudo ao normal. São doze anos em que busquei com muita gana aprender
todas as técnicas de filmagem, de entender o conjunto como um todo e
cada detalhe dos pormenores, de formar cabeça e desenvolver habilidades,
de apurar o olhar e conquistar espaço e isso não se joga assim pela
janela por uma sensação de liberdade. Há, hoje eu sei, um compromisso
com as possibilidades. Entendo afinal a tal da história da
responsabilidade consigo. Volto para o Rio consciente dos contratos que
fiz e demandas a satisfazer, abraço a importância dos dois mundos em mim
e nesse aspecto vejo que posso ter tudo, o melhor dos dois, dividir
minha vida entre dois opostos extremos que tanto se complementam.
Converso comigo hoje e entendo que há espaço para tudo, até meu avesso
não averso. Sei que posso mais de mim, mais do meu bom, do meu melhor.
Não quero sucesso, fama, nem status, quero qualidade de vida, e não em
roupas nem trends da hora, mas digo em tempo, amizades verdadeiras,
comida bem feita, solidão com foco, e inspiração para criar algo que
gere caminho. Sei que preciso voltar, e volto justo por não querer
abandonar o que conquistei, volto em janeiro para mais um projeto com o
coração alinhado com o que construí, entendendo que minha carreira e
trabalho são lindos também e quem sabe consigo aplicar um pouco dessa
minha força suave, dessa minha nova leveza no stress diário das minhas
demandas urbanas. Acho que foi isso que vim aprender aqui, a ter paz no
caos, foco em meio à dispersão e serenidade para lidar com a vida de um
lugar mais ameno para mim mesma. Vou tentar como posso. Acho que estou
pronta. Bem lindo 2017