Wednesday, November 13, 2024

Gravata de Seda

Amo porque é doce, porque é sólido, porque camufla na timidez a escalada do selvagem –– rasga bicho entre as frestas de frases baixas, explodindo nas pausas os galhos das tantas sinapses. Pensa fundo e fala lento. É quase silencioso. Escolhe as palavras, toma tempo. Não corre. Quando corre, voa. Rema com os ventos léguas em fibra de carbono. É peixe por cima d’água: encosta as pernas no aquático e desliza suas asas sobre o teto do mar. E o fulgor do sol treme em sua pele, clama pelas gaivotas, tartarugas ouvem seu chamado. Ele racha o dia ao meio e escoa fim de tarde. 


Amo porque me engole sem pressa, mastiga, lambe, chupa até o caroço e sorri meus fiapos entre seus dentes matutinos. Eu, mochila portátil acoplada ao seu peito, pulo saltitos de criança adulta, abano o rabo enquanto derramo córregos esquecidos ou nunca despertos. 


É a torre mais alta, farol guia para navios imensos, estrada do mar. Vulcão em erupção, ele queima. Eu lava, escorro por sua rocha e torno seu ventre em pedra, furacão dos sentidos. Ele projétil, afunda e se espalha. Eu fecho os olhos e entrego tudo, depois lembro de abri-los de novo para não perder a terra à vista, oásis dos sonhos, paraíso que me disseram só existir nas utopias. Mas ele tá aqui, ao alcance do pulo e eu me jogo, quico na brandura de seus músculos densos e amor terno, gravata de seda, sapato de couro para o traje que a gente combinou com o Leon para aquele dia. No nosso altar só tem sim.

Tuesday, November 12, 2024

Dicionário dos Amores Inventados

Da ordem da ida dos que não chegaram; da presença dos que não vieram; miragens.

 

A - Astrofísica das fantasias do peito; asa-delta sem vento

B - Balão desinflado; bola sem jogo

C - Castelos de areia movediça; cena sem contracena

D - Drible da recíproca; dança da solidão

E - Espera sem chegada; esconde-esconde

F - Feijão ralo

G - Gelo derretido

H - Histórias mal contadas para si

Í - Ímpetos esvaziados; ilusões do plexo

J - Janela para paisagem perdida

L - Lua cheia sem mão dada

M - Mania de acreditar no que não é; má digestão dos anseios

N - Navegação em rio seco

O - Obscuro objeto do desejo não correspondido

P - Panela queimada; planos precoces

Q - Queixo caído para nada (que Xou da Xuxa é esse?)

R – Ralo entupido

S - Sonho que se sonha só 

T - Tatuagem apagada

U - Uivo em noite frígida

V - Vela sem uso; vaca sem pasto

X - Xurumelas invertebradas

Z - Zombarias viciosas dos zumbidos do coração

Monday, November 11, 2024

Depravada e do Lar

Era para eu ser recatada, mas desde pequena já adorava ver os piruzinhos dos meninos. Nos intervalos das brincadeiras, chamava escondido pro canto e pedia para colocar a mão. Não tinha pornografia no desejo, era mais curiosidade mesmo e uma coceirinha na piriquita que deixava tudo quente. Crescer cercada de menino me deixava agitada, os amiguinhos do seu tio-avô querendo brincar de carrinho e eu chamando para debaixo da cama. A mamãe sabia, o papai fingia que não via, mas volta e meia me pegava aprontando e descia surra de cinto. Eu não me importava. Não à toa fui gostar de palmada — virava a bunda e pedia mais pro meu namoradinho. Aí veio aquela história de noivado, eu aceitei já sabendo que no altar eu não subia. Deixei eles acreditarem que eu tinha me rendido, mas no fundo sonhava com o bordel. Queria ser vedete, rapariga, a vizinha devassa, queria ser amante. Eles ansiando moralidade e eu aspirando ser puta. Sempre fui fascinada pela profissão. Ser paga por sexo parecia um sonho. Foi no primeiro bêbado desdentado que eu entendi que não era bem assim. Mas não deixei de gostar. Aprendi a botar a cara de outro no rosto de um e transava com meu imaginário. Aí veio o seu avô e meus planos foram por água abaixo. Ele parecia aquele homem sério, todo pomposo, mas na cama ele me pegava pela rédea e eu relinchava que nem potra no cio. Quando percebi, já era tarde. Desejei ser esposa a contragosto das minhas taras de devassa. Ele não era bobo, sabia de onde eu vinha, me jogava pro alto e me rasgava no meio — nosso quarto era regado de erotismo. Logo veio a sua mãe e, quando vi, estava fazendo empadão na cozinha de ladrilhos verdes que seu avô construiu com as próprias mãos. Logo eu, que me considerava libertária, acabei refém da minha própria caretice. Não posso reclamar. Fui feliz de outro jeito.


Tuesday, November 05, 2024

Para Sempre

Vejo o para sempre no teu olhar. Achei que tinha deixado na primeira infância, na mochila de sonhos que pesou nas minhas costas quando fui esquecida na escola. Foi mais tarde, na faculdade, no primeiro casamento, nos tantos desencontros que foram esvaziando o torpor juvenil do final feliz. Mas em teus braços reviro adolescente, descubro novos jeitos de amar. Esparramada em seu corpo, desvendo taras intricadas, brincadeiras eróticas, recito pornografias que entornamos juntos. Temos inventado rituais de cópula. Nariz, dente, umbigo, orelha, a curva do joelho, tudo vibra, tudo pulsa, eu jorro, me abro toda, te dou a bunda e deixo rouxinol cantar poesias antigas de anseios caretas. Já te pedi em casamento. Outro dia falei em aliança. É que essa que eu uso ficou com gosto de expirada. Redespertei sonho esquecido, aquela história de formar família e seguir caminho juntos. Tinha escondido esse desejo num cofre. Distribuí panfletos sobre independência, autossuficiência e todo aquele papo que criei por cansaço mesmo, ou por achar que não cabia no modelo do que dura até o infinito, só no infinito enquanto dure. Balela. Programava o fim para fugir dos conceitos herdados, dizia eu. No fundo me protegia do anseio profundo de acreditar no amor. Contigo eu acredito.