O mar nem
sempre assusta, mas algumas vezes engana. Era uma nuvem só no céu, ficou ali
pela primeira hora especificamente no pedaço que cobria o sol, ali ingrata,
provocando frio mesmo em mar quente. Ventava bastante e a correnteza sugava para
pedra. Ondas grandes em mar mexido, fechando em sua grande maioria, mas não
enormes. O arpoador logo ali ao lado, com ondas lisas e perfeitas, surfadas por
cinco a oito surfistas a cada quebrada, prancha para que te quero voando sem
prumo rumo aos surfistas mais desavisados, deixava água na boca mas não o
bastante para a presepada. Caímos no Diabo. Era um bodysurfer e três surfistas
quando entramos, mas isso durou pouco. Nunca fui mulher de buraco, já sou feliz
com os meus, se posso escolher prefiro onda aberta e longa quebrando
certinha para deixar deslizar brincadeira ladeira abaixo. Já os meninos gostam muito, há uma certa reputação toda construída sobre esse pilar, eles se
jogam achando graça em onda que fecha em parede bem na cabeça e voltam gritando
que “embaixo é só areia”, eufemismo para o ralador de pele que é a areia dura.
Mas lá vamos nós, quatro ou cinco ondas abaixo só sorrisos, achando tudo
selvagem e lindo demais, até que desço uma bomba, sou jogada contra o mar em
explosão e afundo na montanha russa da espuma maligna - esse é aquele momento em
que você não sabe o que é embaixo ou em cima, esperando deveras ansiosa pela
resposta, mas o momento não se apresenta de imediato, chegando a se estirar um
pouco além da sua expectativa. Finalmente, e de certo infelizmente, bato com a
barriga na areia e sou arrastada contra o chão, apesar da falta de prazer nesse
ato e no consequente ralado, ele ao menos me deu prumo. O ar já acabava quando afinal submergi só para
descobrir com sorriso amarelo que lá vinha a tal série, da minha perspectiva enorme,
bem em frente a minha cabeça demasiado chacoalhada e ao meu querido peito já sem ar. Tomei
umas cinco na cabeça num exercício acidental de esvaziamento gradual de pulmão, até que
voltando de uma, vi meu amigo me olhando assustado e parecendo em dúvida se vinha em minha
direção. Eu estava cansada apesar de sob controle, mas de alguma forma a
expressão dele imprimiu um pavor que me contagiou, “será que eu tô tão mal
assim?” A dúvida gera medo que contamina com mais adrenalina ainda o que já
está pulsando na veia e nessas horas medo é a última coisa a se regar. Eu sabia que eu não estava em real perigo, mas senti medo. E enquanto eu mergulhava até a areia para me
proteger do turbilhão, lembrei da Costa Rica, de como passei os meses de
inverno brincando de deitar na areia e soltar o ar aos poucos, de curtir o fundo tanto quanto a superfície, tá no pacote, eu só havia sido sortuda ultimamente. Tomei
mais umas duas e consegui chegar até o outside. Fiquei uns vinte minutos
quieta, furando bloco de onda antes de formar, sem descer nenhuma, só flutuando, assimilando o mar, conversando com o vento, as correntezas,
o sol que agora saía, meditando sobre essa profunda conexão com a água que
às vezes a fissura faz esquecer. Peguei mais umas três ondas menores e saí feliz com as lições de cada dia.