Os meninos viajaram norte hoje cedo em busca de um swell que tarda em entrar, quase quis ir só por fome de estrada, mas envolvia dormir em barco pequeno e desempolguei antes de levar mais a sério a possibilidade.
Fiquei sozinha com a casa de varanda para o mar, eu e a casa, as palmeiras, as iguanas e macacos, os esquilos, as corujas, os cachorros soltos e um milhão de caramujos. Na iminência da ausência faço novos amigos, a bicicleta vermelha com a cesta enferrujada me demanda constante calma e cuidado sob as crateras e poças de terra batida, nunca gostei de pedalada lenta, ultimamente ando adorando. Tem a rede colorida com vista para um céu de palmeiras e os livros velhos da estante deixados por antigos viajantes, tem também meu pé de pato havaiano e meu madeirite que me auxiliam no estreitamento da relação com o mar, sem eles aqui não teria passado do flerte.
Ontem passei o dia com o oceano, dediquei a tarde a ele, entendi melhor as mudanças de cor sob o leito inconstante de verde e azul, os ciclos de tormenta e calmaria, senti mil vezes as séries passando sob a minha cabeça, eu sentada lá no fundo no chão de areia, brincando de prender o ar sem pressa, de sentir o resquício dos gigantes penteando meus cabelos com sua espuma enfurecida, eu sentada no chão, mão presa a areia, mundo marinho, conchas e peixes.
Ontem peguei a maior onda da minha vida. Vi ela se formando enorme, verde que te quero ver, crescendo macia milimetricamente posicionada para meu corpo descer, ela me olhando dentro do olho e me chamando em sussurro. Respirei fundo no centésimo de segundo que tive para tomar coragem e fui preparada para ressaca abaixo, fui segurando o corpo firme contra sua força, e foi quando ela me mostrou com ternura sua curva mais íntima, ela quebrando perfeita, meu braço direito para fora dela pressionando o madeirite contra seu côncavo, meu corpo sendo suavemente projetado metade para fora, eu ali de olho aberto vendo tudo, descendo alucinada o que para mim parecia um desfiladeiro macio de água salgada, eu ali planando em perfeita sintonia, dividida entre o dentro e o fora d'Água, meus dois mundos favoritos unidos em um só acontecimento, eu ali tão feliz, e assim suave como começou ela terminou. Peguei mais vinte.
Namorei o mar até o sol se por, eu e ele lá, horas e horas em silêncio nos contando segredos, mostrando detalhes, formas e cores, o sol se pondo, meus dedos enrugando, e uma sensação de sintonia completa com esse planeta.
(PS: calma mãe, elas eram enormes na perspectiva de uma semi-anã)