Thursday, March 28, 2024

Atlas

Deitada em seus braços ouvi uma história que começava assim: Depois de lutar contra seus tantos deuses, Atlas pousou seu mundo em mim. Descarregado de seu encargo, pôde arregaçar asas largas e alçar voo sem se queimar – Ícaro é outro homem, não ele. Esse tem peso de vulcão e, se ele incendeia, é no meu plexo com a intensidade de chama que quica no peito e mergulha alma adentro. Ele tem costas de prata e leveza acrobática de menino. Na extensão ampla de seus arcos, nadei o vasto de seu oceano atravessando pilares rumo à nossa cidade perdida. Senti seus dentes cravarem em meus ombros a voracidade da fome contida. Provei romãs em sua boca, ambrosias e todos os néctares que cicatrizam os cortes. Me assentei em seu corpo, transbordei pranto que nem eu sabia guardar e entreguei para ele meu colo – deita aqui no meu abraço e a gente descobre junto terreno esquecido, desconhecido, perdido dentre as tantas memórias e ideias novas do que pode ser o amor. Bem, esse foi só o começo da história que ouvi, o resto só Cronos pode contar.

Friday, March 08, 2024

Gole

Deixou um gole de água na garrafa. Bebi no gargalo para tocar na sua boca. Deixei sua última gota escorrer jorro goela abaixo. Fiquei com teu gosto encruado no corpo, com aquela risada pequena, de canto de boca, aquela que vi enquanto mergulhava num bando de canto do teu mapa. Desvendei vielas esquecidas, aportei nos picos, aterrissei meu peso no seu peito e derramei gargalhada. Um breve reencontro perdido no tempo, quase duas décadas entre ontem e a última vez que te vi, ainda assim, não pareceu ter espaço entre os dois, um momento entrelaçou no outro na ponte entre a cronologia das coisas. Há algo de precioso no destrinchar do tempo. Se passarem mais vinte, fora as bananeiras, aposto que acontece a mesma coisa.