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São sete quadras,
talvez oito, é uma da manhã e eu quero andar para casa. O jantar acabou e as
amigas vão de Uber, 99, Cabify, enquanto eu sinto mais do que tudo que preciso
andar. É quinta-feira, a rua tá vazia, a noite tá escura, mas eu preciso andar.
Odeio andar, peguei trauma na infância quando andávamos doze quilômetros de
praia só de ida cruzando estados com meu pai, sua tchurma e uma cambada de
filhos de tropicalistas desvairados. Exauri toda a cota de caminhada de uma
vida já ali, antes de oito anos de idade. Mas hoje preciso andar sete, oito,
talvez nove blocos que minhas pernas pedem e mais ainda minha cabeça. Passo
logo por um bar com um grupo de playboys olhando a passante, uivos e assobios
vão se afastando na medida que sigo. Quatro bichas animados bebem vodka no
gargalo às gargalhadas cruzando a esquina. Ando uma quadra inteira vazia, blindo
meu campo e penso que só tem bêbado e maluco pela rua mas dois trabalhadores
cansados fechando a porta do metrô da Antero de Quental me lembram o contrário.
Passo a enxergar os muitos mendigos pelas calçadas e marquises. Quatro homens
com coletes cadastrados sentam espalhados enquanto separam pilhas do jornal do
dia seguinte. Meu cansaço parece pequeno perto do deles. Meu mundo caiu. Tudo
que construí sofreu uma rachadura em uma semana, tudo junto, racional e emoção,
profissional e afetivo, estrutura e sonho tudo por água abaixo. Meu mundo caiu
e eu ando a passos largos sabendo que o caminho continua. Sofro, choro, penso
muito, sem parar. Ainda estou em meio à tormenta, mas antes cedo do que tarde,
estou feliz e aliviada com a saída pela culatra. Os planos se moviam apesar da completa distinção. Éramos dois opostos
tentando encaixar. Ele sem emoção, eu transbordando
afeto, não podia dar certo. Traição.