Esse ano não competi, perdeu a graça, valeu muito mais entrar no mar com um bando de amigos, sem objetivo maior do que me divertir. Quando comecei a pegar onda de peito entrei numa de descobrir meus limites, precisava me jogar no mar mais selvagem, conquistar ressaca e vencer onda grande, aprender manobras, dropar os buracos mais cavernosos, cair em todas as lajes cariocas, dominar picos difíceis e desafiar meus próprios limites, e lá fui eu. Até que descobri a batalha que me vale, “basta a quem basta o que lhe basta...”, já dizia F. Pessoa, e pronto, deu. O destino me ajudou nessa virada da psicopatia para maturidade - por sorte tive que parar por quatro meses, à contragosto, e voltei cautelosa: bateu foi medo de osso quebrado e articulação torcida, deu receio com laje de pedra, coral e areia rasa demais, baixou uma cautela danada de enfrentar o desnecessário quando a recompensa nem compensa e passei a medir melhor o risco. Fui tomada pelo potencial da sequela, e quiçá ouso dizer sem demérito dos corajosos, ganhei a maldita maturidade da consequência e, te digo upfront, não tem volta - agora penso à frente em demasiado. Amo o mar, quero cair, me jogar, sonho com ressaca e gosto de mar que assusta, mas lá no fundo no fundo, no secreto do meu íntimo cada dia mais exposto, eu quero mesmo é onda amigável daquelas que abrem e mostram o trilho, prefiro curtir a rota longa do que fazer manobra na pressão, prefiro chegar até areia na intermediária do que fazer um drop radical no quebra-coco, prefiro me divertir do que impressionar. E de repente foi isso, não sei se com mais ou menos orgulho, acho que alcancei maturidade aquática e virei adulta – até um certo e mínimo ponto, fora d’água continuo a mesma criança curiosa.
Thursday, September 13, 2018
É Sempre Bom Lembrar...
Quatro gaivotas planaram rente à espuma do mar mexido, ele olhou para o vasto e sentiu a imensidão. Andava engasgado, juntando os cacos, transbordando aos poucos bocejo travado que não deixava o nó no peito desapertar - mas tá melhorando, dizia ele, falta cada vez menos para dissipar. Talvez em pouco tempo bastasse um soluço para destravar de vez, sacudir a poeira e pegar no tranco. Talvez não. Sonhava com cautela passo largo de perna que acostumara a ser preguiçosa. Mas era mais, era forte, elástico, força bruta em corpo compacto e flexível, explosão e tormento, ternura e suavidade. E a mente inquieta pairava em mil poesias dos tantos detalhes de flores, folhas, rachaduras em rochas e todo o azul que o mar resplandece. Tinha dor de homem menino e encantamento de menino homem. Era de sal, de terra, sólido, raiz de tronco largo de seiva doce, pérola em concha, ouro raro em rio escuro, era um bando de coisa linda mas se disfarçava de areia fina e achava que passava transparência. Vinha cavando esse buraco em movediça fazia tempo, mas volta e meia vinha a maré cheia, enchia o copo de mar e o vazio ficava pleno pelo breve vagar daquele instante, e ele afinal entendia que era completo. Nesses dias via no espelho embaçado do banheiro o brilho lá no fundo do olho e lembrava de tudo, de quem era, do que queria, da força que tinha. Era grande.
Thursday, September 06, 2018
Botafogo
Chovia fino em Botafogo no fim da consulta, eu não tinha pressa mas quis me molhar. Passantes se protegiam debaixo de marquises, jornais, echarpes e capuzes. Acima das cabeças andantes eu assistia uma dança de cores em formato de guarda-chuvas, redomas de mundo como um fone de ouvido que te separa do todo e forma bolha. Não queria bolha, sorria baixinho pensando no meu pai andando comigo de mão dada pelo Leblon debaixo de chuva sempre bradando “eu lá sou de açúcar.” Caminhava assistida pelos olhos secos de quem se protege. A chuva mal molhava, não era pingo grosso, mas a constância assustava quem não deixava que a gota contasse a secura que tinha. E passo a passo eu olhava os rostos que se deixavam ver, me encaminhava pro metrô pensando nos mundos dentro de cada um, cada sonho, cada anseio, cada escuridão que mora ali dentro e seguia meu caminho. E nas quintas-feiras vou para Botafogo de metrô sem telefone, headphone nem guarda-chuva, animada com essa crônica constante que é reparar em humanos em seu habitat. Você já olhou à fundo para quem cruza seu caminho?
Monday, August 27, 2018
Desafeto
Thursday, August 16, 2018
Venho Sendo
Nem sempre acordo disposta. Cada dia faço o que posso. Volta e meia me deparo com minha própria cara e me assusto. Sofro com minhas questões, a tal da retenção de líquido - o que eu como reflete no meu rosto no dia seguinte, e dependendo do que for, shoyo, carboidrato, sal... desgosto total, mas tudo bem, trabalhamos com o que temos. Acordo feliz a não ser que algo grave aconteça mas nem sempre disposta. Tantas vezes me movo à contragosto, sei que preciso de mim para me mover para frente. Me aviso logo cedo que preciso sair por aí e o dia vai raiando e a urgência crescendo e vou fazendo um movimento avesso de criar o momento, me visto, top, legging/short, maiô, pé de pato, neoprene, vou fazendo os braços me vestirem pronta para toda e qualquer ocasião e, por um desgosto para com o planejado, saio por aí deixando ao gosto o que der na telha. Acaba que pedalo quando acho que vou nadar no mar, surfo quando saio para pedalar, corro na areia quando acho que quero mais é surfar, não tenho compromisso se não com a liberdade do desejo. Não marco tempo. Não sei até aonde vou ou fui, não tenho metas. Quero só começar o dia bem seja com o que eu puder me dar. Sei da diferença entre os cento e oitenta graus de céu azul versus as paredes brancas do meu apartamento, sei do barulho do vento no mar versus a vista da janela, e assim me jogo cedo no mundo nesse cada um dia que não volta nunca mais. E eu não volto nunca mais. Então que eu seja, e seja muito, muitas coisas. Venho sendo.
Wednesday, July 25, 2018
Recomeço
Thursday, June 28, 2018
Medo do Mar
Re-Sentir
Não alimento mágoa, não guardo rancor, acho orgulho desperdício de tempo, vaidade. Assumo erro, peço perdão, acredito em desculpar. Busco mudar, seguir adiante compondo, agregando no que dá. Tenho meus tantos defeitos e procuro destrinchar um a um, achar o cerne, desatar nó e passar pro próximo. Não estou pronta, não estou certa, não sou definitiva. Busco caminhos, não verdades. Gosto de gente, de conhecer a fundo mesmo que só por uma conversa, gosto de perguntar detalhe, de ouvir histórias e volta e meia tenho umas para contar. Gosto de abrir cabeça ao meio e me deparar com o pote de ouro que mora dentro. Sou curiosa, exposta, um pouco invasiva e honesta em demasiado, busco com constância suavizar esses entre tantos outros pontos. Sinto que o tempo tá do meu lado, a busca também. Já quis o mundo agora quero chão, solo fértil, terra que brota. Enraizo meus pés, me rego, cresço tronco. Espero abrir galhos em folhas verdes e flores multicoloridas como a árvore de cinco cores daquela ruazinha do Leblon. Sou simples, quero o simples. Não piro em status, em fama, nem nada que ostenta. Gosto de abraço, beijo longo, mão dada e noite bem dormida. Gosto de mar, de céu azul, comida boa, risada rasgada e música para dançar. Sou ainda essa criança, sinto todo dia o seu pulsar. E bola para frente, o resto a gente segue construindo.
Sunday, June 24, 2018
Estranhos
O sol saiu, bateu em nas folhas secas de árvores antigas e eu continuo vazia. O sol amarelou a manhã inteira mas meu peito é cinza. E não tem mar, areia, barco ou céu azul que aliviem esse aperto. Estamos separados desde que nos unimos, nos encontramos na beira e não houve mergulho, a cabeça nem molhou em poça rasa. E eu to aqui, na sua cama farta e lençóis brancos, eu me banho no seu mundo e vou perdendo o meu, vou perdendo o eu que você não vê. Não tem banho de sol que limite o amargo que sobra na boca depois de tanto beijo frio, interrompido antes do começo. Não estamos bem. Nunca estivemos de verdade na verdade. E não tem amor que seja o bastante quando o peito não enche.
Thursday, April 05, 2018
Sete Blocos
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Sunday, February 18, 2018
Turistas
É meio dia e quarenta e nove e eu me estico na cama com os pés de areia para fora. Um pós-adolescente argentino me fita do outro lado da piscina enquanto seca as pernas, sua mãe grita sobre o almuerzo listo e ele se seca mais lento. É o meio do dia e o sol racha amarelo-branco por toda parte, a areia vira espelho e o mar lente de aumento para cada raio - a pupila cerra para não cegar. Eu espero o sol baixar revezando entre rede, sofá e cama enquanto leio Sapiens e paro para pensar na vida. Olho o Paco roncando ao meu lado e lembro que somos todos animais, penso em Darwin e na evolução do Homo, na revolução cognitiva e mais tarde agrícola e industrial, assisto esse Leão da Rodésia enorme dormindo e penso nesse caminho todo que fez para chegar até aí, ele me olha de lado e volta a colar o rosto no chão. Meus amigos estão em maioria fora da cidade, as ondas vão bem e eu sinto gosto de ciclo encerrado. A rede vai balançando e eu vou pensando no presente e no passado. Vim, vi, e me venci aqui. Foram três vezes: dois, quatro e agora um mês e pouco. Na primeira me separei, na segunda me encontrei lá no fundo e por fim constato agora que acalmei essa fome de mundo. Encerro esse encontro com o peito pleno de tudo que descobri. Me atravessei, virei do avesso e desvendei segredo que nem eu sabia, agora to aqui na rede assistindo os vizinhos gringos e pensando que com todo esse ócio e tanta naturaleza fica pra lá de propício volta e meia bater essa onda psico-filosófica. O pós adolescente argentino se joga na piscina e a mãe ralha mais alto sobre o almuerzo, e a iguana se esconde apressada no ralo porque lá vai o Paco e tudo transcende menos o instinto.
Thursday, February 15, 2018
Reset
Bora se perder de vez para ver no que dá, donde fica, como é. Me perde que eu te perco, se perde de vez desse eu aí que você trouxe para mesa e traz outro, eu trago outra e a gente cozinha tudo de novo, aperta essa massa, assa a carne por fora e se deixa cru por dentro, sela esse medo e se faz ceia à mesa. Vamo parar por aqui, dar um basta nisso tudo que já foi e começar do começo, tudo de novo só com novo sem nada repetido. Tira a mão do bolso, descalça os pés, abre esse peito e vem cá, vamo lá, bora juntos. E se tudo pode ser diferente que seja, infinito enquanto dure, inteiro até o talo, que não sobre nada de fora, que não nos falte alento, que nos demos tudo que temos um pro outro sem freio de mão, de pé, de cuca, de peito. Que seja longo, que passe lento, que vibre lindo.